Rio

Justiça Global publica relatório sobre violações de direitos na Cidade Olímpica

Aumento da violência policial, perseguição a população em situação de rua, remoção forçada de moradores e abandono dos esportistas estão entre os temas

Mauro Pimentel/Folhapress

Militarização e violência policial contra as favelas cariocas estão entre as principais preocupações da ONG

São Paulo – A ONG internacional Justiça Global divulgou ontem (26) um relatório em que sintetiza as violações de direitos na preparação para a Olimpíada no Rio de Janeiro. Esportes, moradia e militarização da Cidade Olímpica estão entre os temas elencados pela entidade. “Existe uma Olimpíada que não passa nos belos e grandiosos comerciais de televisão. Escondida atrás dos outdoors das grandes marcas, fora da vista no cartão-postal, essa Olimpíada traz consigo a dor de uma cidade inteira, dor gestada e vivida durante todos os anos de preparação para sediar o maior evento esportivo do planeta”, descreve a entidade.

Como parte das ações para construção da vila olímpica, implementação dos corredores de ônibus (BRTs), entre outras adequações da cidade, foram removidas de suas casas 77 mil pessoas. O processo foi iniciado com os jogos Panamericanos, em 2007, mas se intensificou em 2009, com o anúncio da escola do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas. “As remoções seguem um padrão claro de expulsão de negros e pobres de áreas que passam por grandes valorizações imobiliárias e também estão incluídas nos projetos dos megaeventos”, detalha o documento da Justiça Global.

Moradores pobres de áreas com melhor infraestrutura acabaram enviados para regiões periféricas da cidade. Bairros inteiros foram removidos, como as comunidades Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II. Até a Vila Autódromo, surgida nos anos 1960, cujos moradores tinham concessão de uso da terra por 99 anos, documentada pelo ex-governador Marcelo Alencar (1995-1999), foram removidos de suas casas por serem vizinhos do Parque Olímpico. Após muita resistência, sobraram apenas 30 famílias de um total de 600 que moravam no local.

Violência policial

A Justiça Global destaca preocupação com a intensificação das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, com a proximidade da Olimpíada. Segundo a ONG, as comunidades da Maré, Complexo do Alemão, Acari, Manguinhos, Jacarezinho, dentre outras, têm registrado tiroteios e execuções semanalmente. Além disso, durante a realização dos jogos, o Exército deve voltar a ocupar favelas da cidade, como ocorrido durante a Copa do Mundo de 2014. Pelo menos seis delas estão em regiões consideradas estratégicas para a circulação de turistas e atletas.

Segundo o relatório da ONG, há um histórico de violência do Estado durante grandes eventos. Em 2007, ano em que a cidade recebeu os Jogos Pan-Americanos, foram contabilizados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), do governo estadual, 1.330 autos de resistência, sendo 902 na capital. Esse tipo de ocorrência vem crescendo ano a ano, desde 2013. Segundo o ISP, naquele anos, foram 416 autos de resistência em todo o estado. Em 2014, durante a Copa, foram 584, um aumento de 40% em relação ao ano anterior. No ano passado foram 644 autos de resistência, um crescimento de 10%.

Camelôs e pessoas em situação de rua também têm sofrido perseguição e remoção, no âmbito da operação Choque de Ordem, instituída pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB). Segundo a organização, equipes da prefeitura recolhem adultos, crianças e adolescentes de forma violenta e forçada, com uso de armas letais e menos letais (como as de choque). “Mesmo sem cometer qualquer crime, essas pessoas são levadas para um abrigo público, distante do centro urbano, algumas vezes com o uso de algemas”, destaca a Justiça Global.

Esporte

De outro lado, a valorização de esportistas com a chegada dos jogos ficou bem aquém do esperado. Segundo o relatório, ocorreu o contrário. “Os dois principais espaços para o atletismo e a natação do Rio de Janeiro, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare se encontram fechados desde 2013”, relata a ONG. Ambos fazem parte do complexo do Maracanã e seriam derrubados como parte do acordo de Parceria Público-Privada que cedeu o uso do local ao consórcio Maracanã S.A., formado pelas empresas Odebrecht, IMX e AEG, em maio de 2013, por 35 anos.

Os espaços não foram demolidos, mas estão fechados. Os atletas profissionais e amadores que ali treinavam tiveram de buscar outras formas de prosseguir com suas atividades. “O parque aquático era local de treinamento de, pelo menos, 40 atletas de alto rendimento que buscavam classificação para os Jogos Olímpicos e também de centenas de jovens esportistas”, relata a Justiça Global.

Os praticantes de remo também perderam o principal local do esporte da cidade: o Estádio de Remo da Lagoa. O espaço, aberto nos 1950, foi entregue à iniciativa privada em 1997, mas só teve os primeiros projetos aprovados em 2005, com a construção de um shopping. Desde então, a arquibancada foi demolida e dois tanques aterrados para construção de estacionamentos, situação semelhante à Marina da Glória, propriedade da BR Marinas, desde 2014. A empresa fechou a única rampa pública de acesso de barcos ao mar e os atletas que não podem pagar pelo uso do espaço deixaram de treinar.