após pressão

Governo interino desiste de nomear general para presidência da Funai

Ministros também acenaram com cancelamento de cortes de cargos já previstos para a fundação

Tiago Miotto/Cimi

Na manhã de ontem (6), cerca de 90 lideranças fizeram uma caminhada até a frente do Palácio do Planalto

Cimi – Após a mobilização de indígenas, indigenistas e diversas entidades e organizações sociais, o governo interino de Michel Temer recuou da nomeação do general Sebastião Roberto Peternelli Júnior, da reserva do Exército, para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). Peternelli havia sido indicado ao cargo pelo PSC, o que provocou grande reação contrária por parte dos indígenas.

Na manhã de ontem (6), cerca de 90 lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá (de Olivença-BA e Belo Monte-PA) e Tumbalalá fizeram uma caminhada até a frente do Palácio do Planalto, em Brasília, onde manifestaram-se contra a possível nomeação de um general defensor do golpe militar de 1964 para a presidência da Funai.

Pela tarde, após horas de manifestação, os ministros da Justiça, da Casa Civil e o Secretário do governo interino comprometeram-se com as lideranças a não nomear o general para a Funai. “Não há nenhum veto pessoal do nome indicado ao PSC, mas estamos em busca de um outro perfil”, afirmou Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, à imprensa, na tarde de ontem (6).

“Nós já passamos por um período no Brasil que foi a ditadura civil militar, quando vários povos indígenas foram exterminados e massacrados. A nomeação de um general para a Funai é um retrocesso para aquilo que a gente já passou”, afirmou o cacique Aruã Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat), sobre a possível nomeação da Peternelli.

Os indígenas também se manifestaram pela demarcação de seus territórios tradicionais e pelo fortalecimento da Funai, enfraquecida pelo corte de recursos determinados por Temer e pelo Ministério da Justiça.

Corte de cargos

Os ministros também se comprometeram a cancelar o corte de cargos da Funai, que ocorreria em função da Medida Provisória (MP) nº 8.785/16.

A MP 8.785 determina que os ministérios cortem cargos chamados de “Direção e Assessoramento Superiores (DAS)”. O Ministério da Justiça, ao qual a Funai é vinculada, é o ministério em que mais cortes são exigidos – seriam, no total, 214 cargos cortados. Destes, cerca de um terço seriam retirados apenas da Funai, praticamente inviabilizando sua  atuação em diversas regiões.

Esta MP foi publicada no dia 10 de junho de 2016, mesmo dia em que o ministro da Justiça do governo interino, Alexandre de Moraes, publicou uma portaria determinando o contingenciamento de recursos daquele ministério por 90 dias. Durante este período, todo gasto da Funai precisa passar pelo crivo direto de Alexandre, o que impede o funcionamento regular do órgão.

Integracionismo

Desde que a informação da indicação do general Peternelli para o cargo tornou-se pública, circularam postagens do general em redes sociais, nas quais ele homenageia o golpe militar de 1964. Questionado pelo jornal Folha de S.Paulo, ele afirmou que só daria declarações sobre sua posição em relação ao golpe de 64 após sua eventual nomeação para o cargo.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em nota divulgada no dia 30 de junho, repudiou a indicação e afirmou que sua nomeação fortaleceria a “perspectiva do Estado policial que está sendo instalado no país, com a criminalização dos movimentos sociais”.

Diversas entidades e organizações indígenas e indigenistas também manifestaram-se contra a nomeação do general Peternelli para a Funai. Na tarde da terça (5), servidores e servidoras da Funai, indígenas e pesquisadores também manifestaram-se em frente ao Palácio do Planalto contra a nomeação de Peternelli.

Em nota divulgada na última segunda (4), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) considerou que a nomeação do general representaria “o retorno do alinhamento do Estado brasileiro ao militarismo integracionista na relação com os povos originários, a exemplo do que ocorreu durante a ditadura militar, quando mais de oito mil índios foram mortos, conforme demonstrado pela Comissão Nacional da Verdade”.

Articulação ruralista

A indicação de Peternelli para a presidência da Funai pelo PSC – ocupada interinamente desde maio pelo vice-presidente da instituição, Artur Nobre Mendes, após a exoneração de João Pedro Gonçalves – faz parte da articulação feita por parlamentares da bancada ruralista durante a negociação para a admissão do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Antes do afastamento de Dilma Rousseff, ruralistas entregaram ao então vice-presidente, Michel Temer, uma pauta com suas reivindicações políticas, como contrapartida ao apoio no processo de impeachment. Esta pauta inclui, entre outras coisas, o pedido de revisão das escassas demarcações de terras indígenas feitas pelo governo de Dilma Rousseff e a aprovação da PEC 215.

Para denunciar estas ações que buscam retirar direitos dos povos originários, cerca de 150 lideranças indígenas entregaram, ontem, documentos a diversas embaixadas, pedindo que os países estrangeiros condicionem a importação de commodities do agronegócio brasileiro à mudança de postura dos ruralistas e de suas entidades representativas em relação à questão indígena

Leia também

Últimas notícias