risco de extinção

Exército não tinha autorização para exibir onça-pintada, morta em Manaus

Animal foi abatido com um tiro após 'deslocar-se em direção a um militar' em passagem da Tocha Olímpica pela capital amazonense

Valdo Leão/Secom

Segundo o CMA, a onça-pintada foi morta porque deslocou-se na direção de um militar

Amazonia Real – Uma onça-pintada chamada Juma, que era mascote do Comando Militar da Amazônia (CMA) do Exército brasileiro, foi morta com um tiro de pistola depois que fugiu nesta segunda-feira (20) dos instrutores após ter participado do evento do Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016 no zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), localizado na zona oeste de Manaus.

Segundo o CMA, o animal foi morto porque deslocou-se na direção de um militar. O nome do militar não foi divulgado. “Ele estava na equipe que tentou resgatar a onça-pintada em uma área de floresta do zoológico”, disse o comando em nota à imprensa.

A informação da morte da onça Juma foi confirmada com exclusividade à agência Amazônia Real pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que reagiu. “É muito lamentável e triste por que esses animais estão sendo expostos nisso. O Ibama não autorizou a participação de animais em eventos, isso é uma atribuição do Ipaam”, disse o superintendente do Ibama.

O Ipaam é o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas. Procurado pela reportagem, o órgão disse que recebeu um pedido do Exército e autorizou a participação apenas da onça-pintada macho chamado de Simba no evento da Tocha Olímpica. O instituto disse que não autorizou a participação da onça Juma.

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No Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016, duas onças-pintadas foram exibidas no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), que recebeu cerca de 30 pessoas para o evento. A onça Simba ficou na área do pátio. Juma foi exposta na área da trilha do zoológico, onde a tocha foi revezada.

Um participante do evento, que não quis se identificar, disse à Amazônia Real que dois instrutores do Exército, chamados de onceiros, seguravam a corrente da coleira peitoral da Juma o tempo todo. Cerca de dez militares estavam neste local quando o animal ficou exposto.

“A onça estava num ponto isolado, mas muitas pessoas tiraram fotos com ela. Quando acabou o evento, a onça Juma foi deslocada para uma jaula, que estava numa caminhonete. Foi nesse momento que ela fugiu”, disse o participante do evento à reportagem. Ele revelou que também tirou fotos do animal.

Devido à repercussão da morte da onça-pintada Juma, hoje à tarde o Comando Militar da Amazônia (CMA) divulgou uma nota à imprensa explicando as circunstancias da fuga do animal. A nota não informa a idade e o peso dele. Essas informações estão dentro de um chip implantado nele, segundo o Ibama.

Diz o CMA que a onça-pintada Juma escapou do interior do Zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) ainda na parte da manhã, depois do evento da Tocha Olímpica. “No momento do ocorrido o zoológico se encontrava fechado, vazio e em segurança”, afirmou.

Sobre a morte da onça Juma, o CMA diz que uma equipe de militares composta de veterinários especializados no trato com o animal tentou resgatá-la.

“O procedimento de captura foi realizado com disparo de tranquilizantes. O animal, mesmo atingido, deslocou-se na direção de um militar que estava no local. Como procedimento de segurança, visando a proteger a integridade física do militar e da equipe de tratadores, foi realizado um tiro de pistola no animal, que veio a falecer.”

O Comando do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) comunicou que determinou abertura de processo administrativo para apurar a morte de Juma.

Ipaam notifica CMA

O Ipaam informou à reportagem da Amazônia Real que notificou o Comando Militar da Amazônia e pediu explicações oficiais sobre a morte da onça-pintada e a exposição dela no evento da Tocha Olímpica sem autorização. Se o CMA for punido, poderá ser multado de R$ 3 mil até R$ 300 mil por “descumprimento de autorização previsto no decreto federal no. 6.514/2008″, disse o instituto.

A morte da onça-pintada Juma levantou a discussão dos órgãos ambientais sobre a participação de animais silvestres, em risco de extinção, em eventos populares.

O maior felino do continente americano, a onça-pintada teve uma redução populacional de 30% nos últimos 27 anos no Brasil. Na Amazônia, neste mesmo período, foi observado um declínio de ao menos 10% da espécie na região. Os números foram divulgados no estudo “Avaliação do risco de extinção da onça-pintada (Panthera onca) do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade), em 2013, e publicado pela Amazônia Real.

Em 2015, o CMA foi criticado nas redes sociais e por ativistas que defendem os direitos dos animais quando um militar divulgou uma onça-pintada tomando banho na praia da Ponta Negra. O animal chamado de Jiquitaia (nome de uma formiga) ficou famoso.

Na ocasião, o Ipaam notificou o CIGS por causa da exposição da onça Jiquitaia. Segundo o Ipaam, esta prática é expressamente proibida e não pode mais se repetir. A imagem, inclusive, chegou a ser divulgada pelos próprios militares do CMA.

Para Mário Reis, superintendente do Ibama, é preciso ter cautela para expor animais silvestres em eventos populares. “Desfile militar é uma coisa, é diferente, os animais são preparados, tem uma distância de segurança mínima. Agora eventos como esse [da Tocha Olímpica] é preciso analisar. Nós não temos como analisar as circunstâncias desse abate, estamos aguardando um relatório do Exército sobre o caso”, disse Reis.

Desde 2014, todos os licenciamentos de zoológicos no país são de responsabilidade dos órgãos ambientais estaduais. No Amazonas, é o Ipaam que autoriza o zoológico, no caso do CIGS, a transportar, deslocar, informar sobre mortes, entre outras funções relacionadas aos animais silvestres.

A Amazônia Real tentou obter informações sobre a quantidade de animais que fazem parte do zoológico do CIGS, mas não obteve a informação. Segundo o Ipaam, os animais mantidos no espaço foram resgatados e não possuem condições de voltar à natureza. No caso das onças, são animais que estão no espaço desde pequenos, já acostumados com a presença humana, mas que ainda mantêm seus instintos selvagens.

Segundo o Ipaam, os animais do CIGs são bem cuidados. As onças, por exemplo, ficam em uma área separada e passam por constantes atividades físicas para manter a saúde. Conforme o órgão, apesar de acostumadas com o contato humano e com atividades, elas precisam ser observadas com precaução pois podem fugir diante de qualquer descuido.

A assessoria de imprensa do Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016 disse à Amazônia Real que “lamenta o incidente ” com a onça-pintada Juma, mas não irá se posicionar sobre o caso.

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