cultura do estupro

Casos de violência sexual são subnotificados e ficam sem punição

Por erro ou ausência de denúncia, além da falta de clareza na legislação, casos de violência contra as mulheres seguem impunes

reprodução/TVT

Dos 643 casos de violência apresentados na delegacia do metrô de SP, apenas 12 foram registrados como estupro

São Paulo – Episódios como o da juíza que negou indenização por danos morais e responsabilizou uma passageira do metrô de São Paulo por ter sofrido abuso sexual e o da resistência de algumas autoridades em classificar o caso da adolescente de 16 anos abusada sexualmente, no Rio de Janeiro, como estupro, demonstram a falta de clareza na legislação brasileira sobre violência sexual, colaborando para que muitos casos acabem sendo classificados apenas como importunação ofensiva ao pudor, abrandando a pena do agressor, quando não deixando-o impune. Além da classificação incorreta, outro problema é a falta de notificação pelas vítimas.

Acredita-se que ocorram 500 mil casos de estupro por ano no Brasil, mas apenas 50 mil são denunciados. Muitos são cometidos em transportes públicos como metrô, trem e ônibus. Dados oficiais mostram que foram considerados estupro menos de 2% dos casos de abuso sexual registrados na delegacia de polícia do Metrô de São Paulo, entre janeiro de 2011 e maio de 2016, resultando em apenas 12 boletins de ocorrência. Outros 631 casos foram classificados como importunação ofensiva ao pudor, que é a prática do ato libidinoso definido como contravenção penal, e não como crime.

Em 2009, a lei se tornou mais rigorosa e deixou de exigir que o ato sexual seja consumado para configurar o estupro. O novo entendimento determina que estupro é constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso.

“Há uma falta de sensibilidade das pessoas que registram a ocorrência em ver esses casos de violência sexual como casos graves, e isso acaba se reproduzindo ao longo de todo o processo criminal, “, aponta a advogada Fernanda Matsuda, da ONG União de Mulheres, em entrevista à repórter Vanessa Nakasato, para o Seu Jornal, da TVT.

Isabela Guimarães Del Monde, da Rede Feminista de Juristas, afirma que o estupro é um crime difícil de configurar porque a lei é genérica e abre margem para interpretações. “Estupro é um crime contra a liberdade e contra a dignidade sexual de alguém. Você impor à pessoa alguma prática sexual contra a vontade dela. Normalmente essa imposição vem com violência, ou com grave ameaça”, diz.

A pena para o crime de estupro é de seis anos de prisão. Já para importunação ofensiva, a punição não passa de multa. A falta de um meio termo na aplicação da pena acaba sendo determinante para a sentença.

Para as especialistas, o machismo da sociedade e das instituições também contribui para que o estupro não seja tratado com a seriedade que o tema exige. O assédio sexual, por exemplo, é apontado com uma das práticas que constroem e fortalecem a cultura do estupro, e precisam ser repreendidas, jurídica e socialmente, segundo as advogadas.

Elas ressaltam que também são fundamentais políticas de conscientização da sociedade sobre o estupro, que deveriam ter como objeto o potencial agressor. “Uma campanha de combate ao estupro e ao assédio sexual precisa ser ‘focada’ no agressor, no estuprador, no potencial criminoso”, lembra Isabela Del Monde.


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