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Defensoria denuncia: Fundação Casa ‘banaliza’ internações de jovens negros

Douglas Belchior afirma que a Justiça age com preconceito e promove 'política radical de encarceramento' da juventude negra e periférica

reprodução/TVT

SP promove “política radical de encarceramento” e responde por quase metade dos jovens em privação de liberdade

São Paulo – Em reportagem da edição de ontem (30) do Seu Jornal, da TVT, Defensoria Pública do Estado de São Paulo denuncia que as internações de menores na Fundação Casa foram banalizadas pelo poder Judiciário. Segundo o órgão, cerca de 30% dos jovens internados deveriam cumprir outras medidas socioeducativas, em liberdade.

De acordo com dados oficiais, o estado de São Paulo tem hoje cerca de 10 mil adolescentes infratores internados nas 148 unidades da Fundação Casa, o que representa quase a metade dos que cumprem medidas socioeducativas em regime fechado em todo o país.

“No nosso entendimento, existe uma banalização da medida de internação. Com a superlotação, a medida não se torna adequada”, afirma a defensora pública Mara Renata de Mota Ferreira, em entrevista à repórter Vanessa Nakasato. Ela ressalta que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) determina que o jovem infrator só deve perder a liberdade em casos de delitos graves como homicídio, estupro e latrocínio.

“As medidas de restrição de liberdade do adolescente se submetem aos princípios da excepcionalidade e da brevidade. Quando a gente banaliza e aplica para todo e qualquer caso, fere-se o princípio da excepcionalidade da medida”, explica a defensora.

Ela lembra que a maioria dos casos de internação se deve ao envolvimento dos jovens com o tráfico de drogas. Em geral, eles participam das atividades do tráfico para sustentar a própria dependência química, o que sinaliza a necessidade de acompanhamento médico e psicossocial, e não, necessariamente, a privação da liberdade. Ela frisa também que os jovens não são os principais responsáveis pelo incremento da criminalidade, e que a segurança pública deve se servir de ações do poder público que vão além do sistema de Justiça.

“Existe esse mito de que o adolescente é o grande responsável pela criminalidade no nosso país. Isso não é verdade. Os dados mostram que os jovens não são os maiores responsáveis pela criminalidade, pelos atos de violência cometidos. Então existe, sim, muito preconceito, principalmente com a juventude pobre da periferia, porque são eles que estão dentro do sistema socioeducativo”, ressalta a defensora Mara Renata.

Também à TVT, militante do Movimento Negro e da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil) Douglas Belchior destaca o preconceito que impregna o Judiciário e lembra que os seus integrantes são oriundos de estratos sociais marcados pelo preconceito contra os mais pobres. “A gente é julgado o tempo todo por filhos dessa classe média conservadora.”

Douglas alerta para a necessidade da efetiva aplicação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que prevê esforços integrados entre o Judiciário e demais esferas de poder, como estados e municípios na aplicação de medidas de recuperação para menores infratores.

“A gente tem uma lei que estabelece formas de se fazer, mas o Judiciário ignora e avalia a partir dos seus preconceitos, muitas vezes fugindo do objeto da ação, fazendo julgamentos preconceituosos, imaginando que o garoto no futuro pode vir a ser mais perigoso do que ele aparenta ser. Um verdadeiro absurdo”, denuncia Douglas.

Para ele, sobretudo no estado de São Paulo, existe “uma política radical de encarceramento” da juventude negra, pobre e periférica.