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Reportagem provoca ironia nas redes e questionamento sobre papel da mulher

Publicação considera a esposa do vice-presidente, Marcela Temer, como o perfil ideal: discreta e subalterna. “A revista quis dizer que tipo de mulher é aceita na política”, avalia movimento feminista

José Cruz/ABr

“Estereotipar assim uma mulher também é uma violência, para ela e para as outras”, diz ativista

São Paulo – Durante toda a tarde de hoje (20), a hashtag “Bela, Recatada e do Lar” está entre os assuntos mais comentados do Twitter no Brasil, com quase 28 mil postagens até as 18h30, além de grande repercussão no Facebook. Em geral, a frase vem acompanhada de fotos de usuárias se divertindo em bares, baladas e viagens, em alusão a matéria de mesmo título publicada pela revista Veja nesta semana, sobre Marcela, 32, esposa do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), 75.

O texto, que se propôs a ser elogioso, conta como Marcela conheceu Temer e a coloca como o estereótipo de mulher considerada ideal: pudica, discreta, que vive à sombra do marido, que não se atreve a ascender intelectualmente e que casou com o primeiro namorado. Finaliza afirmando que “Michel Temer é um homem de sorte”. Ela não foi ouvida para a execução da reportagem.

“Quando uma revista diz isso, que padrão de comportamento moral está querendo estabelecer?”, questiona a coordenadora do movimento feminista Católicas pelo Direito de Decidir, Rosangela Talib. “Estereotipar assim uma mulher também é uma violência, para ela e para as outras. Como ficam as mulheres homossexuais, as travestis e as transexuais? Temos na sociedade uma diversidade de pessoas que não são representadas.”

No começo do mês, a revista IstoÉ publicou uma matéria de capa, sem fontes, acusando a presidenta Dilma Rousseff de ter ataques histéricos devido à crise política. A Advocacia-Geral da União (AGU) já informou que acionaria o Ministério da Justiça para que determine a abertura de inquérito a fim de apurar crime de ofensa contra a honra de Dilma, além de invocar a Lei de Direito de Resposta para garantir na Justiça o mesmo espaço destinado pela revista “à difusão de informações inverídicas e acusações levianas”. Advogados particulares da presidenta também iriam estudar eventuais ações de reparação de danos morais.

“A revista quis dizer que tipo de mulher é aceita ou não na política: um padrão limitado e limitante de uma mulher que é apenas esposa, apenas bonita e que não importa o que diz. Ela serviu também para dizer que a Dilma não é bela, nem recatada e nem do lar. Ou seja, não é o modelo ideal”, afirma a militante da Marcha das Mulheres Helena Zelic. “Isso acaba não só com as mulheres que estão na política, mas também com as que lutam. A Dilma é presidenta e recebe ataques misóginos o tempo todo. Essa tentativa de golpe se aproveita disso.”

Helena acrescenta, no entanto, que as mobilizações não podem se restringir apenas às redes sociais e precisam reforçar a luta nas ruas. “As duas coisas têm que estar muito conectadas. Ter esse tipo de mobilização pela internet ajuda, mas precisa ser somado ao cotidiano e às agendas de luta”, diz. “A gente cada vez mais tem aberto os olhos para enxergar como essa mídia tradicional tem lado, e é o lado da direita, que também é machista. As mulheres não aceitam mais esse padrão.”

“Na votação do impeachment na Câmara, no último domingo, vimos claramente que as mulheres, apesar de serem a maioria da população, são sub-representadas na vida política. Como ficam os projetos ligados a direitos sexuais e reprodutivos? Que tipo de sociedade eles querem que a gente tenha, sem ouvir e sem levar em consideração todas as mulheres que estão no país?”, questiona Rosangela.

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