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Aos trabalhadores rurais, o prejuízo da máfia da merenda

Prática fraudulenta de ex-diretores da Coaf em conluio com lobistas, servidores, deputados e secretários do governo Alckmin (PSDB) escancara exploração da ingenuidade de pequenos agricultores

Alcides do Nascimento: “Essa era minha principal fonte de renda. De repente começaram a pegar os produtos e a atrasar os pagamentos”

São Paulo – O esquema de corrupção montado por ex-dirigentes da Cooperativa de Agricultura Orgânica Familiar (Coaf) em conluio com lobistas, deputados, servidores públicos e secretários do governo Geraldo Alckmin (PSDB) atingiu em cheio o lado mais frágil de toda a cadeia produtiva: os agricultores familiares.

Ao fraudar licitações, notas fiscais e superfaturar produtos alimentícios negociados com 22 prefeituras e com a Secretaria Estadual de Educação para o fornecimento da merenda escolar, os integrantes da organização criminosa exploraram pessoas pobres, que plantam em pequenos lotes de terra para garantir o sustento uma mulher inclusive deixou de produzir.

A “parceria” com a Coaf tornou-se um tormento para eles. A maioria reside no assentamento da reforma agrária “Reage Brasil, em Bebedouro, e comercializava verduras, legumes e frutas com a cooperativa até poucos meses  antes do estouro da Operação Alba Branca, em 19 de janeiro, quando a quadrilha foi desbaratada.

Alcides do Nascimento, de 61 anos, trabalha sozinho em seu sítio onde planta (ou plantava) variados itens: banana, mamão, milho, abobrinha, berinjela, jiló, alface. Tudo ia para a Coaf até dezembro de 2015.

Era a minha principal fonte de renda. De repente começaram a pegar os produtos e a atrasar os pagamentos. Foi quando eu desconfiei de que alguma coisa estava errada e parei de vender, relata Alcides, que pôs fim aos diversos canteiros de hortaliças que possuía. Hoje ele depende da extração de látex das seringueiras.

A receita da Coaf para convencer os produtores no início do trabalho era bem articulada. A cooperativa patrocinava cursos para os agricultores aprenderem sobre cultivo orgânico, por exemplo, e comprava deles os alimentos que serviriam para atender às exigências dos contratos com o poder público.

É o que conta Maria de Fátima Vieira, de 60 anos. Sem querer mostrar o rosto na foto, ela chora ao olhar o matagal que virou sua horta, onde antes havia tomate do tipo cereja, mandioca, couve, chuchu e quiabo.

No começo era bom, mas passou o tempo e o que vimos foram os diretores comprando carro novo todo ano, e nós ficando para trás”, lamenta. Sem renda e sofrendo de diabetes, ela agora depende do tricô e da ajuda do filho para conseguir sobreviver.

A chave do negócio

A parceria entre assentados e Coaf começou em 2009, quando entrou em vigor a Lei Federal nº 11.947. No âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a regra determina que 30% dos recursos do Fundo Nacional de Educação (Fnde) destinados à compra da merenda sejam oriundos da agricultura familiar.

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Inquérito para investigar a Coaf ainda não foi concluído e não há prazo para o processo judicial ser iniciado

Cada produtor rural possui uma Declaração de Aptidão (DAP) ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), documento fornecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário que atesta a procedência do produto como sendo da agricultura familiar e especificando quais gêneros alimentícios serão fornecidos. O valor da venda obedece à tabela da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

De posse desses documentos, a cooperativa operava da seguinte maneira: pagava aos agricultores um valor abaixo da tabela da Conab, cobrando uma taxa administrativailegal; levava dos sítios quantidade maior de alimentos que a discriminada nas notas fiscais; e usava as DAPs regulares dos produtores para comprovar a procedência de produtos adquiridos de Ceasas e agroindústrias. Nos contratos com as prefeituras, obtidos após licitações fraudulentas, a Coaf vendia os alimentos que serviriam à merenda escolar por valores exorbitantes.

Segundo o promotor de Justiça Leonardo Romanelli, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), os suspeitos devem responder por crimes como organização criminosa, fraudes em certames públicos, corrupção ativa e passiva e falsidade ideológica.

Questionado sobre o uso irregular das DAPs pela Coaf, o Ministério do Desenvolvimento Agrário disse por meio de sua assessoria de imprensa ser responsável apenas por reconhecer a condição dos agricultores familiares e suas organizações econômicas” e não fiscalizar a correta aplicação dos recursos da merenda, que cabe a órgãos como o Tribunal de Contas do Estado, Câmaras Municipais e ao Ministério Público”.

Coaf tem novo presidente

Nilson Fernandes, que assumiu a presidência da Coaf em 10 de fevereiro, afirmou que a prioridade de sua gestão será recuperar a credibilidade da cooperativa. Fernandes chegou a atuar como funcionário da entidade durante seis meses em 2013, mas saiu devido a conflitos de filosofia e ideais”. “A Coaf era administrada como uma empresa, revelou em entrevista exclusiva ao Brasil Atual.

O novo presidente diz que todos os contratos assinados com os municípios e o estado serão bloqueados imediatamente e depois passarão por uma auditoria. “São convênios irregulares. Nós continuamos a receber ligações das prefeituras que precisam do alimento, mas se déssemos seguimento aos convênios estaríamos avalizando a irregularidade cometida pelos antigos diretores”, disse.

Fernandes aposta em seu bom relacionamento com o varejo para dar fluxo aos produtos dos pequenos agricultores, que estão apodrecendo nos pomares. Acionei meus parceiros e a aceitação deles foi muito boa, afirmou, preocupado também com a dívida deixada pela antiga gestão, que está próxima dos R$ 4 milhões.

Suspeitos em silêncio

O advogado Rogério Valverde, que defende o ex-presidente da Coaf Carlos Alberto Santana da Silva, o Cal, e o ex-funcionário Cesar Bertolino, ambos presos durante a Operação Alba Branca e soltos após assinarem acordo de delação premiada, não se pronunciou sobre o assunto. A reportagem chegou a marcar uma entrevista com Valverde, mas ele declinou.

O promotor Romanelli ainda afirmou que a Coaf “está sujeita a responder pelos malfeitos praticados independentemente da administração que esteja à frente da entidade. O inquérito do caso ainda não foi concluído e não há prazo para o processo judicial ser iniciado.

 

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