planilhas

‘Não falta dinheiro para tarifa zero. Falta vontade política’, diz MPL

Luize Tavares, integrante do movimento que organiza protestos contra alta de tarifas em São Paulo, reafirma luta pelo direito ao transporte, 'para que as pessoas circulem livremente pela cidade'

reprodução/CMI

Ato realizado ontem reuniu 30 mil pessoas, segundo o MPL, e transcorreu sem maiores incidentes

São Paulo – Protagonistas das manifestações contrárias aos aumentos da tarifa dos transportes públicos em todo o Brasil, sobretudo na cidade de São Paulo, e que ganharam maior notoriedade desde 2013, com mobilizações que, naquele momento, conseguiram impedir os reajustes, o Movimento Passe Livre (MPL) volta às ruas amanhã (21), com a convocação de mais um ato que terá concentração em frente ao Terminal Parque Dom Pedro II, na região central da cidade.

Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Luize Tavares, integrante do MPL, fala sobre recentes manifestações na capital paulista, repudia a ação violenta da PM e diz que, para implementar a tarifa zero, é preciso que a gestão do setor faça a opção pelo atendimento às demandas da população e que haja vontade e capacidade política. “A gente acredita muito que a tarifa zero, hoje, não é só mais uma questão técnica, de falta de dinheiro ou infraestrutura, ou qualquer justificativa desse tipo. Hoje, a tarifa zero é muito mais uma questão de vontade política.”

Confira a íntegra:

Desde 2013, são várias manifestações. De lá para cá, o MPL tem atuado em vários momentos, nessas situações de aumento da tarifa e pela luta do passe livre, especialmente para os estudantes. Qual o balanço das últimas manifestações contra o aumento, especialmente a última, realizada ontem (19)? Como começaram essas manifestações e quais são as intenções do MPL?

É importante ressaltar que o MPL não é um movimento que trata só do aumento da tarifa. Na essência, o MPL defende a tarifa zero no transporte coletivo, entendendo que o transporte é um direito e, como direito, não deve ser pago mediante tarifa.

Como um movimento social que pauta a tarifa zero, a gente é contra qualquer aumento, porque a gente é contra a tarifa em si. Com o aumento das passagens, a gente está chamando alguns grandes atos, na região do centro, e convocando as pessoas a lutarem contra esse aumento para além dos atos no centro.

A gente, recentemente, lançou um manual para a travamento de terminais. A gente incentiva as pessoas a fazerem travamentos pela cidade, de forma geral, travando terminais, grandes avenidas, causando algum impacto na cidade, durante essa jornada que se iniciou.

Desde que os atos começaram, a gente sente que as pessoas estão, de fato, incomodadas com esse aumento. É um preço caro que se paga pelo transporte hoje. Principalmente as pessoas que moram na periferia sentem muito, é um peso muito grande no bolso dessas pessoas. A gente não só tem chamado os atos do centro, como também os travamentos que o próprio MPL faz, mas, em geral, a gente convoca as pessoas para fazerem isso.

No restante do Brasil, há também mobilizações em que o MPL participa ou interage, no sentido de encaminhar e orientar essas manifestações pela tarifa zero e contra os aumentos nas tarifas?

O MPL é um movimento nacional e tem vários coletivos em diversos estados do país,  inclusive, em alguns estados do Brasil que concederam o reajuste da tarifa. Então tem outros MPLs em outros estados se organizando contra isso, como por exemplo, em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Joinville e em outras cidades de São Paulo, como Santos, São Bernardo do Campo, Diadema, Guarulhos.

Nós temos informações sobre o restante do mundo, e também no Brasil, de cidades que já chegaram à realidade da tarifa zero. Por que é tão difícil para que São Paulo e algumas outras cidades alcançar essa realidade?

A gente acredita muito que a tarifa zero, hoje, não é só mais uma questão técnica, de falta de dinheiro ou infraestrutura, ou qualquer justificativa desse tipo. Hoje, a tarifa zero é muito mais uma questão de vontade política. Falta vontade política e até de capacidade política, como diz o Lúcio Gregori comentou esses dias, para se implantar a tarifa zero hoje na cidade de São Paulo.

O Lúcio Gregori, que foi a pessoa que escreveu um projeto de lei (PL) de tarifa zero entendendo que a cidade deveria ter, de fato, para todos e todas, e entendo que a tarifa zero seria possível.

Hoje a tarifa zero é muito mais uma questão de vontade política de quem está na administração da cidade. Nesse sentido, a gente acredita que a tarifa zero daria o pleno direito das pessoas de circularem pela cidade. O tal do direito das cidades das pessoas. Mas a gente entende que a tarifa zero seria implementada do dia para a noite.

O que a gente está propondo é uma reestruturação dos meios de transporte. Não é uma coisa simples. É mudar todo o formato do transporte hoje na cidade para se colocar a tarifa zero. Isso exige muito trabalho, dedicação, paciência e, justamente, vontade política.

Na capital paulista, cerca de 2,2 milhões de pessoas, juntando aposentados, pessoas com mais de 60 anos, deficientes, estudantes de baixa renda e trabalhadores desempregados já contam com a isenção da tarifa e representam por volta de 22% dos passageiros que utilizam o transporte público na cidade, por conta de uma decisão política.

Em contrapartida, gostaria que comentasse a respeito da ação policial nessas manifestações. Nós temos exemplos de extremo abuso de força e de uma tática de guerra implementada pela polícia do governo estadual faz em uma mobilização de jovens e trabalhadores comuns, que estão fazendo uso do seu direito de manifestação. Como o MPL vê a atuação da polícia?

Com exceção dos últimos atos, em que a gente conseguiu chegar até o final sem nenhum contraponto da polícia, os outros atos foram bem complicados. O ato da penúltima terça-feira foi bem violento, da parte da polícia. Foi aquele ato em que a gente nem conseguiu sair em ato, de fato. A manifestação foi reprimida logo na concentração. A PM chegou tentando impor um trajeto para o movimento e para as pessoas.

Na verdade, a gente encara tudo isso como um fato político. O ato em si, mas não só o ato, o trajeto também é um trajeto político. A gente não vira em qualquer rua simplesmente por virar. A gente tem motivos para virar em cada rua ou parar em cada ponto. A polícia chegar no ato e impor um trajeto é, no mínimo, bizarro. A gente se recusou a fazer esse trajeto imposto pela polícia e, ali mesmo, o ato foi reprimido. Não houve negociação, não houve diálogo.

Em geral, há uma negociação. O MPL sempre está disposto a dialogar, mas naquela terça-feira não houve diálogo. A polícia chegou com o trajeto pronto e nos recusamos a descer pelo trajeto da PM e aí houve todo aquele massacre. A gente teve vários feridos, com vinte feridos gravemente que foram levados para os hospitais, fora aqueles que a gente não contabilizou, com ferimentos mais leves que não precisaram ir ao hospital. Naquele dia, foi uma violência gratuita e sem justificativa.

No contexto das ações do MPL, nós temos essas situações inusitadas em que muitos se infiltram com outros sentimentos, que não a luta pela tarifa zero ou contra o aumento. Isso causa muitas badernas e a mídia tem mostrado mais esse lado do que o outro, o real, da luta de todos que participam dessas manifestações. Como o movimento tem tentado, e se é possível isso, se organizar nesse sentido para evitar a participação de vândalos e pessoas com más intenções?

A gente sempre tenta identificar os famosos P2 dentro dos atos – P2, para quem não sabe, são policiais e ou pessoas infiltradas dentro dos atos para iniciar tumultos. O MPL, quando chama um ato, a gente nunca vai criar um perfil de manifestante bom ou ruim. Todo mundo que é contra o aumento, contra a tarifa, que queira ir para as ruas por conta disso é bem-vindo em nossos atos.

De certa forma, o ato fica vulnerável, porque é aberto e não tem perfil bom ou ruim para o MPL. Nesse sentido, sempre tentamos identificar os P2 dentro dos atos, porque, em geral, são essas pessoas, quando não a polícia, são os P2 que começam algum tipo de conflito interno dentro do ato.

A gente sempre tenta ficar em negociação com a polícia durante o ato inteiro para a gente se certificar que a gente vai chegar no fim. A gente tenta encarar de uma forma otimista, no sentido de que é um ato aberto e a gente quer que todo mundo participe. Mas a gente também fica um pouco atento a possíveis posturas que possam implodir o ato em certos momentos.

Em geral, a primeira atitude de violência que vejo, principalmente na jornada desse ano, parte da polícia, seja a polícia envelopando o ato, empurrando as pessoas. A partir dali já começa já começam com o sentido de conflito. A presença ostensiva da polícia nos atos já demarca que a repressão já está dada.

Ouça também:

Leia também

Últimas notícias