Dois pesos, duas medidas

Secretaria da Segurança paulista não comprova comunicação prévia de ato pró golpe militar

Protesto realizado por 60 pessoas na manhã de ontem provocou 10,5 quilômetros de congestionamento na Marginal Pinheiros

William Volcov/Brazil Photo Press/Folhapress

Trajando roupas militares e verde-amarelas, cerca de 60 pessoas travaram a Marginal Pinheiros

São Paulo – A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e a Polícia Militar (PM) paulista não comprovaram, até as 15h de hoje (28), que uma manifestação de cerca de 60 pessoas defendendo intervenção militar no Brasil, realizada na manhã de ontem (27), na Marginal Pinheiros, foi previamente comunicada às autoridades – da mesma forma que vem exigindo dos organizadores das manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público na capital paulista. A reportagem da RBA fez solicitações a ambos os órgãos, mas nenhum deles apresentou qualquer comprovação da comunicação, embora a SSP diga que isso ocorreu.

A secretaria informou inicialmente que tal documento deveria ser solicitado à Polícia Militar. Após contato com a PM, a reportagem foi orientada a retomar o contato com a SSP. Que novamente informou que o assunto devia ser tratado com a polícia. Diante da insistência, a assessoria de imprensa da SSP informou que o ato havia sido comunicado. Mas que qualquer documento comprobatório deveria ser requisitado à polícia. A RBA fez nova solicitação à PM, mas não obteve resposta.

A exigência de comunicação prévia de manifestações está escrita na Constituição Federal, no inciso 14 do artigo 5º: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Porém, não há definição de prazo ou órgão que deva ser comunicado, nem que o trajeto a ser realizado deva ser acordado previamente.

O secretário estadual da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, disse em entrevista coletiva no último dia 12, após violenta repressão policial a uma manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL) na Avenida Paulista, que deixou dezenas de feridos, que todas as manifestações em São Paulo deverão ter seus trajetos comunicados previamente, ou não serão realizadas. “A estratégia utilizada pela Secretaria de Segurança Pública vai ser a estratégia usada em todas as manifestações”, disse Moraes.

A principal justificativa apresentada é que um grupo de pessoas – alguns milhares no caso dos atos do MPL – não podem prejudicar o direito de ir e vir de milhões de pessoas. E que a comunicação possibilitaria organizar o trânsito, as linhas de ônibus, o serviço de Metrô, enfim, equilibrar o direito à livre manifestação com o direito de quem não quer participar do ato de prosseguir com suas atividades cotidianas.

E sob essa argumentação a PM utilizou de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, cassetetes e spray de pimenta para dispersar três dos cinco atos realizados contra o aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo, de R$ 3,50 para R$ 3,80. Segundo o MPL, que considera a medida ilegal e se recusa a comunicar previamente os trajetos, pelo menos cem pessoas ficaram feridas por queimaduras, balas de borracha e espancamentos.

Porém, o tratamento de ontem foi diferente. Durante algum tempo, o ato travou totalmente a pista local da Marginal Pinheiros, sentido Rodovia Castello Branco, causando 10,5 quilômetros de congestionamento, segundo o portal G1. O ato teve início na altura da estação Hebraica-Rebouças da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). E às 12h ainda bloqueava duas faixas da pista local. A PM acompanhou o protesto, que não teve incidentes.

Especialistas em direito, ouvidos pela RBA, afirmaram que não comunicar o poder público sobre a realização e o trajeto de uma manifestação não justifica o bloqueio da manifestação. Muito menos a violenta repressão, em que dezenas de pessoas ficaram feridas e 12 foram detidas. A advogada Jessica Carvalho Morris, diretora executiva da ONG Conectas Direitos Humanos, e o tenente-coronel da reserva da PM Adilson Paes de Souza contestaram a conduta e a explicação do governo.

“Não se pode impedir uma manifestação porque não seguiu o trajeto determinado pelo poder público ou porque não o informou antecipadamente. O poder público devia deixar a manifestação sair, controlar os efeitos e identificar e atuar sobre os vândalos, que são minoria. O caráter da manifestação é tornar pública uma insatisfação coletiva. E é claro que para isso vai se buscar locais que chamem atenção. Limitar isso fere o direito constitucional de livre manifestação”, explicou Souza.

“Não há justificativa nenhuma para a polícia agir da forma que agiu [nos atos reprimidos]: atacando manifestantes de forma violenta, sem nenhuma possibilidade de fuga ou proteção. Cercar daquela forma, usando bombas de efeito moral e balas de borracha naquela quantidade. É inaceitável”, afirmou Jéssica, referindo-se à repressão ocorrida no dia 12, na Avenida Paulista.

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