tragédia em MG

Moradores retornam a vilarejo destruído por lama de mineradora

Antonio Cruz/Agência Brasil Moradores ainda fazem buscas após rompimento de duas barragens da mineradora Samarco em Mariana Mariana – O garimpeiro João Leôncio Martins, 63 anos, voltou à casa onde morava, […]

Antonio Cruz/Agência Brasil

Moradores ainda fazem buscas após rompimento de duas barragens da mineradora Samarco em Mariana

Mariana – O garimpeiro João Leôncio Martins, 63 anos, voltou à casa onde morava, no distrito de Bento Rodrigues, Mariana (MG), com uma única missão: encontrar os cachorros que deixou para trás quando fugiu da lama que invadiu o povoado, após o rompimento de duas barragens de detritos de mineração. Na correria, conseguiu salvar três animais, mas Fred e Leisi ficaram no local.

“Gosto de cachorro demais. Cachorro em casa, pra mim, é a mesma coisa que filho. Se eu não achar esses dois, não sei o que vai ser”, contou. João morava com a mulher, a filha e a neta numa casa pequena que quase não permaneceu de pé após a passagem da lama. Ele chegou a tentar pegar um dinheiro e alguns documentos no guarda roupas, mas nada se salvou.

No meio da conversa com jornalistas, a boa notícia: Fred, um dos cachorros do garimpeiro, foi resgatado pelas equipes de busca e levado para Mariana. Um dos bombeiros que atuam no local guardou a foto do bichinho e mostrou a João. “É ele sim, com certeza. Meu pretinho. Olha o toquinho de rabo dele aqui. É o meu Fred”, contava, emocionado.

É também com lágrimas nos olhos que o comerciante Alair Nicolau da Silva, 50 anos, conta como era a vida no povoado. Entre tios, irmãos e primos, a família somava cerca de 40 pessoas vivendo no local. A casa onde Alair morava não existe mais – foi levada pela lama e pelo barro que desceram das barragens.

“Não consegui buscar nada, porque não existe mais a casa. Ela foi embora. Se essa lama toda tivesse chegado à noite, não tinha ninguém vivo agora. Imagina se os moradores todos estivessem em casa. Como seria?”, pergunta Alair, sem que ninguém saiba responder.

Ao andar pelo local monitorado por homens da equipe de resgate, o comerciante compara Bento Rodrigues a um cenário de filme de terror ou mesmo de guerra. Mesmo diante de tantos prejuízos, ele mostra orgulhoso o crachá de voluntário na ajuda aos desabrigados e desalojados.

“Ajudo a separar roupas, a levar comida e água para quem está precisando e para comunidades isoladas. Só a gente sabe do sofrimento de cada um. Temos uma história de vida aqui. E perdemos tudo”, lamenta Alair, morador e sobrevivente da catástrofe em Bento Rodrigues.

Moradores querem reerguer comunidade

Praticamente todos os moradores do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), que sobreviveram ao rompimento de duas barragens na semana passada estão hospedados em hotéis e pousadas do município. A maior parte deles pode ser vista do lado de fora dos estabelecimentos, sentada nas calçadas, conversando na rua e tentando manter os costumes.

No centro movimentado de Mariana, quando conversam com a imprensa, eles deixam claro que pouco sabem sobre o futuro, já que a maioria perdeu tudo – casa, carro, móveis, documentos, fotos, memórias. Mas há uma unanimidade na fala de todos os que foram ouvidos pela equipe de reportagem da Agência Brasil: querem reerguer a comunidade num cantinho só deles, como um dia foi o distrito carinhosamente chamado de Bento.

“A saudade é demais. É o que mais incomoda a gente. Não ter pra onde voltar é muito ruim”, desabafou a dona de casa Edna Aparecida Euzébio, 34 anos. Ela, o marido e três filhas moravam numa casa de três quartos no povoado, que foi arrasado pela lama e pelo barro. A família costumava ir até Mariana apenas para pagar contas e cumprir um compromisso ou outro, nada mais.

“Lá era tranquilo demais. A gente dormia com as portas abertas, papeava na porta de casa, jogava truco até mais tarde. Não foi só a casa que perdemos. Perdemos toda uma vida, a nossa história, os nossos costumes. E agora queremos um lar, não um quarto de hotel.”

Sem conseguir evitar de ouvir a conversa, o encarregado José Luiz da Silva, de 44 anos, concorda com tudo o que a dona de casa diz. Depois da tragédia, ele sequer tentou buscar o que poderia ter sobrado de suas coisas em Bento Rodrigues, porque viu pela televisão que só a estrutura da casa permaneceu de pé.

“Não tenho vontade de voltar lá não, mas tenho uma saudade danada de casa. É uma mistura de emoções muito fortes. Do tipo quero voltar, mas não quero”, disse, numa tentativa de explicar o que sente. José destacou ainda o medo, compartilhado por muitos da comunidade, em relação à barragem de Germano, da mesma mineradora, que permanece cheia.

“Há mais coisa lá em cima. E se essa barragem também se romper? Não quero voltar pra lá. Quero uma vida nova, num lugar diferente, mas fora do centro urbano. Já viajei muito, já fiquei em muito hotel, mas meu lugar não é aqui nessa pousada. É lá. Era lá. Agora não sei mais.”

O servente Paulo Madalena Fernandes, 56 anos, morava sozinho em uma casa de quatro quartos em Bento Rodrigues. A casa era da mãe dele, repleta de lembranças e memórias que não vão ser mais recuperadas. Quando as duas barragens de romperam, Paulo estava em casa. Correu como nunca. Passou a noite na mata até que foi resgatado e levado para uma pousada da cidade.

“Dentro de hotel, não aguento ficar. Venho sentar aqui fora, papear. Perdemos muita memória e muita lembrança e isso ninguém consegue dar de volta. É por isso que queremos uma nova vila, longe da cidade, como era antes. Só assim pra conseguir recomeçar a vida.”