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Estranho aos movimentos por moradia, Telhada cria CPI para investigar ocupações em SP

Movimentos sociais denunciam tentativa de criminalização da luta por moradia e cobram promessa do governo Alckmin. Deficit habitacional no estado alcança cerca de 250 mil famílias

Marcelo Camargo/Arquivo ABr

Em 2013, governo Alckmin prometeu a construção de 10 mil casas, em regime de autogestão

São Paulo – A Assembleia Legislativa de São Paulo criou na última terça-feira (10) uma Comissão Parlamentar de Inquérito, proposta pelo Coronel Telhada (PSDB), que pretende apurar “suposta ocorrência de uma indústria de invasões” em terrenos urbanos e rurais, no estado, e “o envolvimento de pessoas e organizações estranhas”, segundo justificativa publicada no Diário Oficial do estado. A falta de familiaridade do deputado com as questões habitacionais chama a atenção dos movimentos que lutam por moradia digna.

Na avaliação de André Delfino da Silva, membro do Movimento de Defesa dos Favelados ouvido pela repórter Camila Salmazio, da Rádio Brasil Atual, as investigações são uma forma de intimidar e constranger os movimentos de moradia. “É justamente uma forma de intimidação ao processo histórico de luta dos movimentos sociais, que ajudaram a construir o capítulo da Constituição Federal sobre questões do direito à cidade e o direito à moradia.”

Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares, concorda: “É intimidar e conter a ação forte e articulada, muito importante, dos movimentos que têm atuando na luta pela reforma agrária, no campo, e pela reforma urbana, nas cidades”.

Desde terça, movimentos de moradia permanecem acampados em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, para exigir que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) cumpra promessa feita em 2013, de construir 10 mil casas em regime de autogestão.

Raimundo aventa ainda a hipótese de ação articulada, entre Executivo e Legislativo, já que a instalação da CPI ocorreu no mesmo dia em que teve início a mobilização.

Juliana Avanci, advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, manifesta preocupação quanto ao avanço da criminalização dos movimentos de moradia, representado pela instalação da CPI. “A gente está à frente de um possível retrocesso, de passar a considerar que ocupação de terra é um ato ilegal. Esse é um conceito que a gente vem tentando desconstruir rotineiramente.”

O déficit habitacional no estado de São Paulo é de aproximadamente 250 mil famílias, segundo dados da Secretaria Municipal de Habitação. Juliana ressalta dificuldade de acesso aos números do estado que, segundo ela, são subestimados e não correspondem à realidade. Ela denuncia também que o estado não tem feito o cadastramento das famílias. “Ao mesmo tempo, o estado entra com o seu aparato repressor. É o Judiciário, e também a PM, que fazem o cumprimento de decisões que protegem propriedades que não deveriam ser protegidas e, ao mesmo tempo, o estado não entra no sentido de garantir a efetivação de direitos constitucionais”, analisa a advogada.

Para Juliana, o estado também não se preocupa em prestar atendimento emergencial às famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica. “Lida-se com os casos de despejo em reintegrações de posse como um problema entre particulares, mesmo quando envolve o Estado. O que acaba acontecendo é que as famílias têm que buscar alternativas por sua própria conta. Isso leva, obviamente, ao aumento de ocupações nas cidades.”

Ouça a reportagem da Rádio Brasil Atual: