Ditadura

Comissão da Verdade da Câmara de SP apresenta relatório final

Comissão que leva nome de Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura, apurou responsabilidades dos agentes públicos municipais e buscou esclarecer casos obscuros, como a morte de Juscelino

reprodução/Câmara SP

Relatório da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog reuniu mais de 80 horas de depoimentos

São Paulo – A Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, que leva o nome do jornalista Vladimir Herzog, assassinado por agentes da ditadura em 1975, apresentou ontem (26) o seu relatório final. Com 450 páginas e 25 recomendações, a apresentação do documento fez parte das atividades para relembrar os 40 anos da morte do jornalista.

A Comissão da Verdade Vladimir Herzog continuou as investigações iniciadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) presidida pelo então vereador Ítalo Cardoso (PT), que nos anos 1990 apurou responsabilidades dos agentes públicos municipais nos crimes de ocultação de cadáver e desaparecimentos forçados na vala clandestina de Perus, descoberta em 1990, como mostra a reportagem de Marilú Cabañas, para a Rádio Brasil Atual.

O vereador Gilberto Natalini (PV), que presidiu a Comissão, comenta os trabalhos exaustivos e cita alguns pontos que foram aprofundados, como o caso da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek. “Com 114 indícios, nós chegamos à conclusão que Juscelino foi morto por um atentado político pela ditadura, na via Dutra, em 1976. Nesse ponto, tivemos uma divergência com a Comissão Nacional da Verdade, que concluiu que houve um acidente.”

Serafim Jardim, secretário particular de JK, que também foi homenageado na cerimônia de apresentação do relatório, denunciou por 19 anos que Juscelino sofreu um atentado. “Convivi com ele os últimos nove anos da sua vida e vi várias vezes ele dizer: ‘Estão querendo me matar, mas ainda não me mataram.’ Se vissem o processo de Juscelino feito pelos homens de 64, vocês veriam a farsa.”

Outro momento destacado por Natalini foi a audiência com o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, que vive no exterior, responsável pela lendária imagem do jornalista morto enforcado nas dependências do DOI-Codi. “Ele contou publicamente que a foto que ele fez foi usada de forma criminosa pela ditadura para dizer que Herzog tinha se suicidado. Na verdade, ele foi pendurado ali já sem vida. Nós não podemos admitir a tortura, porque é o crime mais horrível que uma pessoa pode cometer sobre a outra.”

Mandatos de 42 vereadores cassados, entre 1936 e 1969, foram restaurados pela comissão. O documento traz também o depoimento do coronel do Exército reformado Erimar Pinheiro Moreira, que afirma ter visto o general Amaury Kruel, até então compadre, amigo e apoiador do presidente João Goulart, receber do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) uma mala com 1,6 milhão e, na sequência, rumar ao Rio de Janeiro para aderir aos golpistas. “O golpe de 1964, de tudo o que tem de perverso, de maldoso, também foi um golpe que nasceu num processo de corrupção”, ressalta Natalini.

O vereador Ricardo Young (PPS) destaca a importância do trabalho para a democracia. “Entrar no DOI-Codi, ver as salas de tortura, a sala em que o Herzog havia sido colocado para a famigerada foto que todos nós conhecemos, foi de uma contundência muito grande. Não há como permitirmos que se mencione a possibilidade de o Brasil retroceder na sua democracia.”

Toninho Vespoli (Psol) concorda, mas afirma que é preciso lutar para acabar com as heranças da ditadura. “A gente vê a consequência disso, se for ver como ainda hoje a mentalidade da Polícia Militar no estado de São Paulo. Os nossos jovens na periferia sendo mortos praticamente diariamente.”

Adriano Diogo (PT), que presidiu a Comissão Estadual da Verdade, também ouvido pela Rádio Brasil Atual, relembra como Vladimir Herzog foi perseguido por deputados da direita, na Assembleia Legislativa de São Paulo, quando José Maria Marin pedia a prisão de toda a equipe de jornalismo da “TV Vietcultura”, como eles chamavam. “O presidente da República sabia que Vladimir Herzog estava preso, como também o comandante do II Exército. Tudo isso ficou mais do que claro e documentado, e ninguém foi punido”, denuncia Diogo.

Filho do jornalista assassinado, Ivo Herzog protestou contra uma carta da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de congratulações à Comissão. “Walter Feldman (secretário-geral da entidade, que assina o documento) é funcionário e foi contratado por uma das pessoas que arquitetou a morte do meu pai. Ele não está qualificado para se associar ao nome do meu pai. Repudio veementemente a manifestação da CBF.”

Ouça a reportagem da Rádio Brasil Atual: