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Fogo Sagrado, futebol e cultura: começam os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas

Índios brasileiros e de outros 22 países celebram pelo esporte, trocam culturas e debatem temas como saúde, educação, agricultura familiar, demarcação de terras e inclusão digital

Cerimônia de acendimento do Fogo Sagrado: congraçamento entre povos indígenas de parte do mundo <span>(Marcelo Camargo / ABr)</span>Início da cerimônia de acendimento do Fogo Sagrado, que antecipou abertura dos Jogos Mundiais Indígenas <span>(Marcelo Camargo / ABr)</span>Disputa de bola entre os brasileiros Kayapo e indígenas do Panamá, no primeiro dia de competições <span>(Marcelo Camargo / ABr)</span>Indígena Maori, da Nova Zelândia, em momento de ritual de limpeza do caminho espiritual para os Jogos <span>(Marcelo Camargo / ABr)</span>Celebração pela vitória é ritual presente em todas as delegações participantes dos Jogos Indígenas <span>(Marcelo Camargo / ABr)</span>Jogos Mundiais dos Povos Indígenas reúne etnias brasileiras e de outros 22 países <span>(Marcelo Camargo / ABr)</span>

Brasília – O futebol abriu hoje (23) o primeiro dia de disputas esportivas dos Jogos Mundiais das Populações Indígenas, em Palmas, capital do Tocantins. Sob forte calor, o time da etnia Bororo Boe goleou os Assurini por 7 a 2, pelo torneio masculino. A abertura oficial será amanhã, às 17h30. Ontem, as delegações participaram da cerimônia de acendimento do Fogo Sagrado, ritual que uniu indígenas brasileiros, argentinos, bolivianos, neozelandeses, panamenhos entre outros, em uma diversidade de cores, cantos e danças.

“Me sinto alegre, emocionado por marcar o primeiro gol da história dos jogos mundiais. Viemos para tudo: pra competir e pra mostrar cultura, o que é o mais importante”, disse Edilson Bororo, de apenas 15 anos, autor do primeiro gol do encontro, considerado um momento singular na história dos indígenas de vários países, em especial os do Brasil.

A rodada de abertura do torneio de futebol masculino dos Jogos foi completada pela partida entre os Kayapó e o time que representa os indígenas do Panamá, que terminou com vitória dos brasileiros e outra goleada, por 6 a 0.

Ao final da partida, o time se reuniu no centro do campo e dançou em comemoração à vitória. “Temos que trabalhar na aldeia, na roça, não temos tempo de treinar diariamente. A gente ainda tem que aprender muito. Nosso futebol é estilo amador, nosso diferencial é esse, ter a cultura, os cantos”, disse o jogador Paté Kayapó.

Ainda hoje estão marcadas partidas de futebol masculino e feminino. As regras são as mesmas da Fifa, mas com cada tempo reduzido a 30 minutos. O sol e o forte calor obriga os árbitros das partidas a realizar paradas técnicas durante os tempos, para hidratação dos atletas.

Os Jogos ocorrerão até 1º de novembro,  e já em sua primeira edição, reúnem 23 povos nacionais e grupos indígenas de 22 países. No Brasil, a seleção das etnias foi feita pelo Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), que levou em conta a geografia étnica e os biomas nacionais. A realização do evento é uma parceria entre o Ministério do Esporte e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Sagrados

A cerimônia do Fogo Sagrado marcou o dia de ontem na Praça dos Girassóis, no centro da capital de Tocantins. No fim da tarde, pouco antes de o ritual começar, vários indígenas abriam rodas, cantavam e dançavam em apresentações espontâneas e simultâneas. Filmando e fotografando, centenas de pessoas tentavam entender o que se passava e acompanhar o que acontecia.

“Eu acho perfeito trazer esse evento para cá. É um marco histórico para a cidade”, disse o servidor público Alex Tosta. Segundo a organização dos jogos, a praça foi escolhida pelos deuses indígenas para o acendimento do Fogo Sagrado e, por isso, o local só foi divulgado horas antes de sua realização.

Assista à reportagem na TVT

Pouco antes das 18h, o articulador dos Jogos, Marcos Terena, reuniu as várias tribos para o início do ritual sagrado, enquanto a população local se aglomerava para assistir a tudo. Os primeiros a iniciar um ritual próprio foram os Maori, da Nova Zelândia. Fazendo caretas e empunhando lanças e outros objetos, eles abriram caminho entre a multidão e dominaram as atenções. Homens brancos e índios assistiam fascinados à performance neozelandesa.

“Tentamos mostrar nossa força interior arregalando os olhos e pondo a língua para fora. É para apresentar quem somos, quão forte amamos as pessoas e o quanto queremos doar aos outros. Somos muito espirituais. Então, antes que tudo aconteça, o caminho espiritual precisa ser limpo. Depois disso, nós sorrimos e falamos com as pessoas”, explicou o maori Thomas Strickland.

Os Xavantes se seguiram aos Maori, começaram seu canto e uma cena improvável aconteceu: Maoris e Xavantes cantando, frente a frente, olho no olho. Após esse momento, uma roda se abriu para o acendimento do Fogo Sagrado. Ao modo tradicional, provocando faíscas no atrito entre um graveto e uma pedra, o fogo foi aceso, já no início da noite.

A partir daí teve início uma verdadeira festa, com indígenas de várias tribos e etnias dançando ao redor do fogo, celebrando o momento. “O fogo, para todos os povos do mundo, é extremamente importante. É um conhecimento milenar em todos os povos. E ele é vida, é energia, tem uma energia espiritual e em torno dele se unem todos os povos”, disse a indígena Joana Munduruku, integrante do Comitê Intertribal.

O Fogo Sagrado foi retirado da praça e será levado à Arena Verde dos Jogos Mundiais das Populações Indígenas amanhã, para a abertura oficial do evento.

Futuro

O ministro do Esporte, George Hilton, disse ontem que o Brasil vai propor aos países participantes desta primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas a criação de uma entidade internacional que organize esse evento a cada três ou quatro anos. “Vamos fazer uma consulta a todos os países e à medida que esses comitês aceitarem a possibilidade, o Brasil já é candidato a sediar a entidade, até porque tem um protagonismo muito grande na cultura indígena.” A informação foi dada no programa Bom Dia, Ministro, produzido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência em parceria com a EBC Serviços.

Segundo Hilton, o Brasil já organizou 12 eventos nacionais esportivos indígenas e o mais importante não é a disputa, mas a celebração entre os índios, a discussão de questões de interesse e as reivindicações das comunidades em todo o mundo.

Durante os jogos, serão promovidos fóruns técnicos sobre temas como saúde, educação, agricultura familiar, demarcação de terras e inclusão digital, lembrou o ministro, acrescentando que algumas etnias se recusaram a participar em protesto pelas reivindicações não atendidas.

Para a construção da arena e de toda a infraestrutura esportiva o ministério investiu cerca de R$ 50 milhões. “Teremos todas as condições para realizar não só as modalidades tradicionais, mas outras que são indígenas e que não terão competição. São 22 países e todos eles farão a exibição de algum tipo de modalidade, algumas que nem conhecemos”, afirmou.

Com reportagens da Agência Brasil


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