só piora

Sabesp manda água de esgoto para torneiras de Ribeirão Pires

Moradores relatam mau cheiro e fezes nas caixas d'água, torneiras e chuveiros. Empresa não alerta e pouco esclarece. Cerca de um terço da cidade foi afetado

abcd maior / reprodução

ABCD Maior – Em vez de água potável, por pelo menos duas vezes, em agosto passado, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) abasteceu parte dos moradores de Ribeirão Pires (município do Grande ABC, região metropolitana da capital paulista) com água suja, barrenta e em alguns casos, contaminada por fezes.

“Lavamos a caixa de água por uma semana com cloro, porque, em vez de água, recebemos cocô”, afirmou o motorista Gilson Marcos da Silva, 51 anos, morador do Bairro Rancho Alegre. O bairro, juntamente com Jardim Bandeirantes, Jardim Eucalipto e Itrapoã, foram alguns dos primeiros a serem atingidos pelo abastecimento de esgoto, em vez de água tratada. “Estava lavando o para-brisa do caminhão quando senti aquele cheiro de merda. Era a água”, relatou Gilson.

Assista ao vídeo:

Conforme o Conselho Municipal de Saúde daquela cidade, o problema atingiu cerca de 30% do município e afetou todos os bairros abastecidos pelo mesmo reservatório da companhia estadual, na Vila Pereira Barreto. A estimativa é que mais de 30 bairros e 11 mil famílias de Ribeirão Pires tenham sido afetados.

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Ronilson e a água da torneira de casa: “Começou a ficar escura e fedia muito”

Mais recentemente, entre a quinta e a sexta-feira (10 e 11), o problema voltou a se repetir, afetando moradores do Bairro Nossa Senhora de Fátima. “Cheguei em casa e fui tomar banho. A água começou a ficar escura e com cheiro estranho. Fedia muito”, disse o morador Ronilson Oliveira Santos.

Vizinha de Ronilson, a costureira Maria do Carmo Cunha, teve de comprar água para beber e cozinhar. “Primeiro ficamos sem água, depois quando voltou estava suja, preta, e fedia”, comentou. Anaide Santo da Silva, 45 anos, também do mesmo bairro, ficou sem banho e sem escovar os dentes. “A Sabesp veio depois e disse que a água tinha sido misturada com a rede de esgoto”, afirmou.

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Anaide Silva ficou sem banho e sem escovar os dentes

Até o fechamento desta matéria, a Sabesp ainda não havia respondido à reportagem sobre as razões para o problema em Ribeirão Pires. Em agosto, quando os primeiros casos vieram à tona, a justificativa apresentada para a população foi que uma obra do DER (Departamento de Estradas de Rodagem, estadual) havia estourado uma tubulação de esgoto.

Para Ronilson, o maior problema foi o fato de a Sabesp não ter comunicado a população sobre a situação. “Muita gente achou a água estranha, mas imaginou que era apenas barro ou cloro demais. A Sabesp deveria ter usado um caminhão de som avisando sobre o problema”, criticou.

“Pode até ter sido um acidente, mas a Sabesp precisa comunicar a população, o que não foi feito”, criticou Hamilton Rocha, membro do Coletivo de Luta pela Água, formado por moradores e entidades da região.

“Acreditamos que o rodízio camuflado, com o abre e fecha de torneiras, cause esse ‘efeito chicote’ que pode causar infiltrações da rede de esgoto na rede de água. Isso pode ter sido causado por essas manobras da Sabesp”, analisa Hamilton. “Vamos continuar cobrando uma explicação.”

“Passei muito mal”

Numa das ocasiões em que teve a rede de água invadida pela de esgoto, Antônio Pereira da Silva, morador do Bairro Vale do Sol, percebeu que a água estava estranha, mas bebeu normalmente, adoecendo em seguida. “Passei muito mal. Fui parar no médico com vômito e diarreia”, disse.

“A água contaminada com coliformes fecais pode causar diarreia infecciosa e cólera, entre outras doenças”, explica o conselheiro de Saúde de Ribeirão Pires, Alaor Vieira.

Diante das denúncias apresentadas por moradores de Ribeirão Pires, o Coletivo de Luta pela Água levará o caso ao Ministério Público de São Paulo, Ministério Público Federal e ao relator da ONU (Organização das Nações Unidas), Leo Heller, que busca apurar se a crise hídrica de São Paulo está violando os direitos humanos, especialmente o direito universal de acesso à água, ao esgotamento sanitário e à saúde.