desconstrução

Na Fundação Casa, rapper paulistano reconta a história sob ótica do Hip-Hop

Fundador da Batalha de MCs do metrô Santa Cruz, Marcello Gugu criou o projeto 'Infinity Class' para mostrar a outra versão do que é ensinado nas escolas

facebook marcello gugu

Rapper Marcello Gugu afirma que através do Hip-Hop pôde adquirir melhor conhecimento do que nas escolas

São Paula – Com o slogan “Redefinir a história sob a ótica do Hip-Hop” e inspirado na ONG americana Zulu Nation, o rapper paulistano Marcello de Souza Dolme, o Marcello Gugu, criou o projeto “Infinity Class”. Na Fundação Casa, local onde concentra suas apresentações, Gugu conta fatos que valorizam a história da comunidade negra para resgatar a autoestima dessa população.

“Eu mostro na Infinity Class que a comunidade negra americana só perdeu, sempre que aparecia um líder como Luther King ou Malcolm X eles morriam. Então, apresento através do Hip-Hop, quando a comunidade americana recuperou a autoestima perdida”, explica.

O mestre de cerimônia (MC) paulistano afirma que através do movimento pôde adquirir melhor conhecimento do que nas escolas. “Nas instituições de ensino, você aprende que os bandeirantes são heróis e falam mais do Cabral do que do Luther King. O Hip-Hop permite você redefinir essa história, o que é importante, para haver o processo de desconstrução, necessário atualmente. Através desse projeto posso mostrar que não é apenas um movimento artístico, posso levar o outro lado da história que ninguém vê.”

Segundo o criador do projeto, muitos personagens históricos do ativismo negro são excluídos das grades escolares por causa do preconceito. “Vivemos numa sociedade muito racista. A visão escolar é eurocentrista, não se fala nem da comunidade indígena. Nós temos um sistema extremamente falho de educação.”

Inspirado nas aulas ministradas na Zulu Nation, uma ONG criada na década de 70 pelo DJ americano Afrika Bambaataa, o rapper pretender seguir os mesmos passos. “A Zulu Nation conseguiu fazer do Hip-Hop uma ferramenta para que a cultura não morra, para que não se esqueça de nomes importantes da história, e é isso que eu almejo.”

Marcello Gugu iniciou o projeto em 2009, no colégio Miguel de Cervantes. Em sua apresentação, o palestrante criou uma linha cronológica que explica como o Hip-Hop começou a tomar forma, através da Guerra de Secessão nos Estados Unidos e na luta pelos direitos civis.

Na Fundação Casa, Marcello Gugu expõe aos detentos que o Hip-Hop foi uma forma de “ver o universo de outra maneira” e que o movimento pode ser transformador na vida de algumas pessoas. “Se o Hip-Hop vai mudar a vida de alguém na Fundação Casa? Eu não sei. Mas eu quero mostrar que a cultura foi a chave que me fez mudar, então, quero que eles possam se descobrir e seguir atrás dos sonhos deles.”

“Quando entrei no colégio espanhol Miguel de Cervantes, deixei claro que não podia dizer que os espanhóis eram heróis. Na apresentação, eu disse que quando os europeus vieram pra cá fizeram um genocídio, e os alunos ficaram espantados. É necessário contar isso, se não vai continuar tendo estátua dessas pessoas por aí, o que é errado”, diz.

Felipe Mascari/RBA
Gugu afirma que, mesmo sem enxergar resultados na instituição socioeducativa, ainda acredita na mudança

Ao recontar a história através da cultura Hip-Hop, ele também faz um paralelo com a sociedade na Idade Média. Ele criou uma teoria sobre a forma de expressão na época. “Eu falo que os quatro elementos do Hip-Hop existem há milhares de ano. Vejo as artes rupestres como o grafite, quem tocava o atabaque como os DJ’s, os MC’s são como os chefes das tribos e os b-boys são iguais às pessoas que dançavam em volta da fogueira.” O MC afirma que, mesmo sem enxergar resultados em cinco anos de apresentação na instituição socioeducativa, ainda acredita na mudança. “Tem casos que motivaram, um menino me parou um dia e disse que sairia da Fundação, seria ‘alguém na vida’, e voltaria para contar sua história. Outro me agradeceu por ter tirado um sonho do fundo do poço.”

Marcello conta que há assuntos em sua palestra pelos quais os alunos se interessam mais, como as histórias do ativista do movimento negro Marcus Garvey, Martin Luther King, Malcolm X, o criador da Ku Klux Klan, Nathan Bedford, e a militante da luta dos direitos civis Rosa Parks.

“Na Fundação Casa você tem um déficit de educação muito grande, tem gente lá que não sabe escrever. Mas é importante mostrar a história para esses moleques, muitos não vão lembrar de Marcus Garvey que eu cito, mas vão entender o conceito do racismo.”

Após a palestra, o voluntário da Fundação propõe um sarau. “A ideia do Hip-Hop é você expressar sua essência na arte, e o sarau permite isso. Não me preocupo com o que está sendo dito, mas por que está sendo dito. Isso é o reflexo do que ele vive, por isso ele fala de violência policial ou ostentação.”

Marcello Gugu não acredita que a Fundação Casa possa reintegrar alguém à sociedade. Para ele, enquanto existirem mais prisões do que escolas haverá problemas de segurança pública. “Atualmente não existe um sistema de reintegração, você pega um moleque da rua, coloca ele numa caixa, tire ele da caixa e bota de novo na rua. Quando ele sai, volta para o mesmo circulo social, e a chance de reincidir é grande.”

Ao fazer um paralelo da atualidade com a época da Zulu Nation, o rapper paulistano afirma que muitas coisas não mudaram. Segundo ele, o racismo e a falta de oportunidade para as pessoas carentes, e muitos fatos passam batidos pela sociedade, como o caso dos 19 mortos em Osasco.

Para Marcello Gugu, a cultura Hip-Hop ainda é muito nova e vive um processo de amadurecimento. Mas ele sonha tornar a Infinity Class em um centro cultural. “A curto prazo, pretendo viajar o Brasil pra levar o trabalho aos estados. Porém, quero colocar o projeto em um local fixo, fazer uma Zulu Nation no Brasil.”

Leia também

Últimas notícias