luta por moradia

Prefeitura pressiona e Justiça de SP suspende reintegração de posse na Vila Maria

Processo será analisado por grupo de conciliação; União pede transferência do caso para a alçada federal, porque terreno pertencia a empresa fraudulenta, com R$ 1 bilhão de dívida fiscal

Reprodução / Google Maps

Ocupação: área que hoje abriga 2,5 mil famílias pertenceu a empresa concebida para fraudar o sistema tributário

São Paulo – O governo federal e a Justiça estadual de São Paulo estão em uma queda-de-braço em torno da reintegração de posse de uma área de 50 mil metros quadrados ocupada por 2.500 famílias desde 2013, com total de 8 mil pessoas. Situada na marginal Tietê, em São Paulo, no bairro da Vila Maria, zona norte, a ocupação seria submetida na próxima quarta-feira (9) a uma ação de reintegração de posse, mas ontem (3) à noite a prefeitura entrou no Tribunal de Justiça (TJ-SP) com pedido de suspensão de liminar, para cancelar a reintegração.

Em resposta, o TJ suspendeu a ação, determinando que o caso seja encaminhado para o Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (Gaorp), instância criada em dezembro de 2014 justamente para aprofundar a conciliação antes da execução de reintegrações de posse, reduzindo a violência desses casos.

Por volta das 10h de hoje (4), os moradores começaram a se mobilizar, e pode ser que realizem um ato, paralisando o trânsito.

Atualmente, o terreno está penhorado pela União. Ele pertencia a uma empresa chamada Grupo Tenório, constituído para empulhar o sistema tributário, com várias pessoas jurídicas e operações para confundir a autoridade tributária. A dívida fiscal com a União é da ordem de R$ 1 bilhão e por conta disso o governo federal entrou na discussão em julho, requerendo a transmissão do processo para a Justiça federal. “A empresa tem uma condenação por falsificação de documentos, há uma série de crimes atribuídos a ela. E tudo está na manifestação da União no processo”, afirma a advogada Juliana Avanci, que representa os moradores, atuando por meio do Centro Gaspar Garcia, voltado aos direitos humanos.

Juliana diz que o juiz negou o ingresso da União no processo. “Só que aí a Defensoria Pública e o Centro Gaspar Garcia se manifestaram para destacar que, segundo a lei e uma súmula do STJ, não cabe à Justiça estadual julgar se o interesse da União é legítimo ou não.” Juliana entende que a partir do momento em que a União entra no caso, a Justiça estadual tem de mandar o processo para a alçada federal. “Mas não houve concordância até aqui e nós recorremos da decisão do tribunal, que numa análise superficial do desembargador (também estadual), entendeu que o juiz tinha razão de manter a competência na esfera estadual. E agora nós recorremos de novo para o pleno do tribunal para reformar essa decisão”, diz a advogada.

Além do recurso que pedia o encaminhamento do caso para o Gaorp, há outros dois recursos pendentes de julgamento no tribunal. Um deles é contra a decisão do desembargador, que reforça a competência estadual na questão. E o outro é um agravo de instrumento, com a Defensoria Pública, porque o juiz não aceitou a apelação da sentença pelos moradores. “Ele falou que a defensoria não é parte legítima. Então nós agravamos e tem pedido de efeito suspensivo”, diz Juliana.

Além do embate entre União e estado, há um decreto do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, de 4 de agosto, que declara a área como de interesse social. Mas o decreto, por si só, não tem força para mudar a situação dos moradores. Segundo Juliana, o decreto depende da interpretação que é dada. “Na nossa interpretação, o decreto cria um fato e manifesta que o interesse público está declarado – o interesse público deve se sobrepor ao interesse individual. Agora, do ponto de vista jurídico e técnico, digamos, só o decreto não tem o poder de suspender a reintegração de posse, a não ser que depois desse decreto, a prefeitura entrasse com uma ação de desapropriação, fazendo o depósito da desapropriação no processo e emitindo a posse; só aí então a reintegração seria suspensa”, afirma a advogada.

Segundo o Centro Gaspar Garcia, o secretário-adjunto de Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, havia informado em reunião com os moradores, representados pelo Movimento Independente de Luta por Habitação de Vila Maria, que todo o dispositivo militar seria mobilizado para a reintegração de posse. Segundo ele, o contingente passaria de mil policiais, e sua maior parte seria constituída pela Tropa de Choque.