direitos civis

Impunidade reforça repressão do Estado contra manifestações no Brasil

Relatório da ONG Artigo 19 destaca que, entre 740 manifestações avaliadas, houve somente dois casos de punição por abusos de agentes públicos

Danilo Ramos/RBA

Cerco policial a manifestantes em janeiro deste ano, durante manifestações contra o aumento da tarifa em SP

São Paulo – A ONG Artigo 19 lançou hoje (10) um relatório em que avalia as ações repressivas do Estado brasileiro em 740 manifestações ocorridas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, entre janeiro de 2014 e junho de 2015, e constata que “praticamente nenhuma punição a agentes públicos que cometeram atos de violência em manifestações foi registrada”. Para a entidade, isso reforça o ciclo de violações de direitos em protestos. “Reagir com violência contra aqueles que protestam contraria a própria noção de democracia e de um Estado de direito”, afirmou Camila Marques, advogada e uma das responsáveis pelo relatório.

Entre as violações cometidas por policiais durante as manifestações estão a falta de identificação pessoal, detenções arbitrárias, a desproporcionalidade do efetivo policial e o excessivo uso de armamento menos letal (como balas de borracha e gás lacrimogêneo) e até o uso de armas letais.

Único caso registrado pela ONG em que os agentes foram punidos foi dos policiais militares major Fábio Pinto Gonçalves e tenente Bruno César Andrade Ferreira, que forjaram um flagrante de porte de morteiros contra um menor de idade, que participava da manifestação do dia 30 de setembro de 2013, no centro do Rio de Janeiro. Eles o detiveram e o encaminharam à delegacia.

Após divulgação de vídeos mostrando que o tenente Bruno estava de posse dos artefatos antes de apreender o menor, os dois PMs foram denunciados pelo Ministério Público. Em 1º de junho deste ano, foram condenados pela auditoria da Justiça Militar pelo crime de constrangimento ilegal. “É preciso que tal prática seja reconhecida como uma ação recorrente da Polícia Militar, advinda de falhas estruturais da instituição, e não somente como mais um dos inúmeros ‘casos isolados’”, defendeu a Artigo 19.

Para a entidade, de uma forma geral, o Poder Judiciário tem posição central na perpetuação da impunidade. “São inúmeras decisões judiciais que estão em desacordo com padrões internacionais – e nacionais – de direitos humanos. Falta ao Judiciário estar mais sensível e permeável às questões sociais que se colocam na atual conjuntura”, ressalta o relatório.

Entre essas decisões, a organização ressalta o caso do fotógrafo Alex Silveira, do Agora São Paulo, que, em 2011, perdeu parte da visão ao ser atingido por uma bala de borracha. A decisão em primeira instância concedeu uma indenização a Alex pelos danos sofridos. No entanto, em 2014, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão, justificando que Alex, ao permanecer no local quando a repressão policial se iniciou, assumiu a responsabilidade por um eventual ferimento.

“Quando as instituições falham em responder às violações, falham também em promover os valores democráticos entre os cidadãos, que ao perderem a crença na capacidade do Estado de lidar com violações a direitos podem perder também a crença na própria democracia. Nesse caso, ainda que o Estado tenha dado uma resposta ao caso, respondeu de maneira completamente insatisfatória, responsabilizando a vítima pela violação sofrida”, defende a ONG. O caso de Alex foi utilizado como jurisprudência para outros semelhantes ocorridos em 2013 e 2014.

Segundo a ONG, o Ministério Público também atuou de forma a criminalizar os protestos, sendo chancelado pela Justiça. “Ao dar prosseguimento a inquéritos repletos de inconsistências e ilegalidades, sem provas efetivas dos supostos crimes cometidos e que focaram de forma massiva nas relações entre os réus e movimentos sociais, suas orientações políticas e ideológicas.” A Justiça permitiu quebras de sigilos telefônicos, de navegação na internet e prisões preventivas, mesmo sem a apresentação de provas contundentes da autoria dos crimes.

Outro dado destacado no relatório é a criação de dispositivos legais para coibir manifestações, como o Projeto de Lei do Senado (PLS) 499, de 2013, que tipifica o crime de terrorismo, e está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa. “O principal problema deste projeto é que seu texto é muito aberto e não traz conceitos bem definidos, o que possibilita generalizações como o enquadramento de movimentos sociais como grupos terroristas”, defende a Artigo 19.

A conclusão da ONG – cujo relatório pode ser lido no site da Artigo 19 – é que o Estado brasileiro objetiva sufocar manifestações populares. “As ações têm se dado em diversas frentes: violência policial, criminalização pelos tribunais, projetos de lei restritivos e a falta de responsabilização de agentes que cometeram violações.”

Leia também

Últimas notícias