xenofobia em SP

‘Estou com medo e não estou saindo de casa’, diz haitiano atingido por balas

Imigrantes haitianos atacados relatam dificuldades encontradas na busca por atendimento médico. Além de xenofobia, aventa-se a hipótese de vingança como motivação dos ataques

Heloisa Ballarini/Fotos Publicas

Imigrantes haitianos foram atacados na escadaria da Paróquia Nossa Senhora da Paz, que acolhe os recém-chegados

São Paulo – Dois haitianos vítimas do atentado no centro de São Paulo, no dia 1º, ainda estão com as balas de chumbinho alojadas em seus corpos. Um deles passará por procedimento cirúrgico na próxima semana. A suspeita é que o crime tenha sido motivado por xenofobia.

Ouvidos pela Rádio Brasil Atual, antes de prestar depoimento sobre o caso, na delegacia da Sé, os haitianos relatam o ataque e contam também sobre as dificuldades enfrentadas para serem atendidos nos hospitais da capital paulista.

“Estava na frente da igreja quando recebi um tiro na perna. (…) Não sabia o que tinha acontecido, pensei que tinha batido a perna. Aí, vi que meu amigo também estava ferido no pé e sangrava muito. Quando desci para ajudá-lo, levei outro tiro na perna direita. Fomos para o hospital e falaram para a gente que era uma bala”, conta Hudson Prohete.

Ao todo, foram registrados três ataques, todos na região do Glicério, deixando seis haitianos feridos. As testemunhas relataram no boletim de ocorrência que, no dia do atentado, ouviram uma voz que gritava “haitianos” e, em seguida, os disparos, que teriam saído de um carro cinza que passava pelo local.

Hudson diz que não tem pistas de quem cometeu o crime, pois não viu nenhum carro e nem ouviu o grito.

O padre Paolo Parise, da coordenação da Missão Paz, que acolhe os imigrantes, explica que a princípio eles não interpretaram o ataque como xenofóbico. “‘Estávamos no lugar errado, na hora errada'”, diz o padre, reproduzindo o relato das vítimas, que viram a ação como se tratasse de um caso de bala perdida.

Hudson e os amigos foram atendidos pela Assistência Médica Ambulatorial (AMA), na Sé, e depois foram transferidos para a Santa Casa de Misericórdia. Ao todo, ele conta que passou por quatro hospitais, e sua amiga haitiana, Hatice, por seis.

Ele explica que estavam preocupados, pois sentiam dores causadas por estilhaços das balas de chumbinho, e estavam com a perna inflamada, porém nenhuma unidade hospitalar pôde fazer a cirurgia de retirada da bala. Ele conta que fizeram apenas um raio-X, e receitaram antibióticos. “Falaram para a gente que não iriam tirar a bala.”

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que os seis haitianos foram atendidos, na última sexta-feira (7), no Hospital Municipal do Tatuapé. Todos foram avaliados, medicados, e tiveram alta, sendo que três deles retornaram ao hospital, na última segunda-feira, para novas avaliações com a equipe cirúrgica.

Hudson disse que, após a saga nos hospitais, sua cirurgia foi agendada para a próxima semana. Já Hatice terá que passar por uma nova avaliação e ainda não tem data para ser operada. Segundo a secretaria de Saúde, o atendimento no hospital é feito com base na classificação de risco, sendo priorizados os casos mais graves.

Hudson tem 28 anos, e está no Brasil há dois anos e meio. Depois do ocorrido, ele diz que teme outro ataque e não tem saído mais às ruas. “Não estou mais circulando na rua, não. A gente não sabe o que vai receber, porque, se a gente estava saindo da igreja e aconteceu isso…”

O padre Paolo, que tem acompanhado as investigações e apoiado os imigrantes no caso, conta que, após ouvir as vítimas, acredita que os crimes podem ter sido motivados por vingança ou xenofobia.

Segundo relatos, um haitiano teria socorrido uma mulher que foi assaltada e recuperado a bolsa roubada por um adolescente. Em resposta, juntamente com seu grupo, o adolescente prometeu um acerto de contas.

“É um fato criminoso, terrível, mas o significado é muito diferente. Os dois são graves, mas o fato xenófobo seria muito mais grave, porque seria mais um sinal dentro de uma sociedade que começa a ser intolerante, que começa a ter esse preconceito que se transforma, da forma verbal à agressão física. A gente não imaginava que pudesse chegar a esse ponto”, comenta o padre Paolo.

A Missão Paz já estava planejando uma campanha de conscientização, antes do ocorrido. A ideia é promover o respeito aos imigrantes em locais como metrôs e ônibus da capital, a fim de prevenir atos de discriminação e ódio.

Ouça a reportagem de Anelize Moreira para a Rádio Brasil Atual: