autos de resistência

Delegado denuncia em livro ‘política de extermínio’ de jovens da periferia

Em pesquisa na USP, delegado esmiúça 300 inquéritos arquivados no Rio de Janeiro e conclui: violência policial está contemplada dentro do estado de Direito como 'conforme a lei' e não como 'contrária à lei'

ABr

Manifestação contra o sumiço de Amarildo: direito à vida somente para quem não está identificado como inimigo

São Paulo – A violência policial no país tem sido alvo de críticas de setores progressistas, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde jovens negros e da periferia são vítimas cotidianas de um processo de extermínio rotulado de combate ao tráfico de drogas. Mas, além da violência policial, há uma política de extermínio no sistema de justiça criminal no país que legitima essas mortes, lançando mão dos autos de resistência – quando um policial mata um suspeito e depois alega legítima defesa e que houve resistência à prisão.

Nesses casos, “a violência policial está contemplada dentro do estado de direito como uma violência conforme a lei e não como algo contrário à lei”, afirma o delegado e pesquisador Orlando Zaccone, que lança nesta quinta-feira (6), em São Paulo, o livro Indignos de Vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro. O lançamento será realizado na livraria Cultura do Shopping Villa Lobos (detalhes abaixo).

O livro resulta de uma pesquisa com mais de 300 inquéritos de autos de resistência arquivados no Rio de Janeiro entre 2003 e 2009. “Ele é resultado do meu doutoramento em Ciências Políticas na USP e representa um olhar diferenciado sobre a letalidade do sistema de Justiça, porque normalmente se fala dessa letalidade como sendo algo causado somente por uma violência policial”, afirma Zaccone.

“Eu observei que a maioria dos autos de resistência, que são a forma jurídica estabelecida para verificar se essas mortes estão dentro ou fora da lei, acaba levando ao arquivamento do procedimento no momento em que o Ministério Público decide que essas mortes não contrariam o ordenamento jurídico e que são, portanto, mortes legitimadas pelo poder jurídico”, diz o delegado.

A existência de uma política de extermínio implica algumas mudanças nas abordagens da violência. Zaccone lembra, por exemplo, que muitas vezes o Ministério Público é chamado de omisso por organismos de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional. “Só que eu vejo que o MP não é omisso; ele é ativo na política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro”, afirma.

Outra mudança de abordagem ocorre no debate com a sociedade, que “passa a ser pautado não em como a política agiu ou deixou de agir, mas em relação a quem ela agiu. O que se discute é se o Amarildo era pedreiro ou traficante de drogas. Porque se ele for traficante, está tudo certo”, afirma, lembrando o caso do desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, em 14 de julho de 2013, após ser detido por policiais militares na porta de sua casa na Favela da Rocinha.

“Até hoje a imprensa se refere ao Amarildo como pedreiro, ou auxiliar de pedreiro, como se a mídia tivesse de justificar que essa vida merece proteção em detrimento da outra, do inimigo, em que o ordenamento jurídico não contempla nenhuma proteção. E aí você tem uma mudança de perspectiva ao olhar para essa violência. É um olhar no sentido de apontar que isso não é uma violência que está restrita à ação policial. Ela contempla outras instâncias, com o Ministério Público arquivando e a mídia muitas vezes aplaudindo quando essa violência se dirige a esses grupos identificados como inimigos”, defende o delegado.

Pelo livro, o leitor pode confrontar o Brasil da lei com o país de fato. “Em um estado de Direito, em que a Constituição proíbe a pena de morte, o Brasil tem dois estados, Rio de Janeiro e São Paulo, que conseguem produzir 42% a mais de mortes por ações policiais do que todos os países com pena de morte no mundo”, destaca o autor, resgatando uma pesquisa da Anistia Internacional em relação a 2011. Segundo a pesquisa, em 20 países que mantinham a pena de morte em 2011, foram executadas 676 pessoas, enquanto mais de 970 pessoas foram mortas no Rio e em São Paulo no mesmo ano. “Como um país que tem na sua Constituição a proibição à pena de morte consegue produzir a partir de ações policiais uma letalidade maior do que todos os países com pena de morte no mundo?”, indaga Zaccone, para quem somente a legalização das drogas poderá mudar essa política de extermínio, ajudando a mudar a visão do inimigo como o traficante de drogas.

Lançamento

Indignos de Vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro, de Orlando Zaccone, editora Revan, 280 págs.

Nesta quinta-feira (6), das 19h às 21h, na livraria Cultura do Shopping Villa Lobos, na Avenida das Nações Unidas, 4.777 – Alto de Pinheiros, zona sul de São Paulo.

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