violência policial

Mães de Maio: acordo entre governo paulista e PCC daria força para reabrir investigações

Depoimento de delegado confirmou que houve acordo do estado de São Paulo com o crime organizado. Depois disso, PM assassinou pelo menos 505 jovens, como denunciam movimentos sociais

Caio Castor CC

‘Esta é a hora de arrancar a máscara do governo do estado de São Paulo’, diz Debora

São Paulo – Para Debora Maria Silva, militante do Movimento Mães de Maio, a confirmação de que houve um acordo entre o governo paulista e a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para conter os crimes de maio de 2006 seria um motivo para reabrir as investigações sobre os assassinatos de pelo menos 505 pessoas naquele mês, supostamente cometidos pela Polícia Militar. As investigações foram arquivadas pela Justiça Paulista.

O depoimento confirma o acordo entre o chefe do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e o então secretário de Segurança, Saulo de Castro Abreu, e o de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, sob o comando do “governador tampão” Claudio Lembo (DEM), que governou estado de abril a dezembro de 2006. A confissão foi publicada ontem (27) pelo jornal O Estado de S. Paulo, a partir de um depoimento do delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, durante um processo judicial que investiga advogados supostamente ligados ao crime organizado.

“Esta é a hora de arrancar a máscara do governo do estado de São Paulo e de todos os prefeitos onde ocorreram assassinatos. Temos de ter outro olhar sobre os crimes de maio, para acabar com a impunidade”, diz Debora. “Era um governo interino, mas ligado a Geraldo Alckmin (PSDB). Passou da hora de desarquivar os crimes e responsabilizar de vez o governo de São Paulo. Foi uma guerra em que perdemos nossos filhos. Está contado passo a passo como foi. Nós já sabíamos disso de cabo a rabo. Houve um acordo, que foi silenciado.”

Segundo a reportagem, o objetivo do acordo era por fim aos ataques da facção criminosa, em maio de 2006. O governo de São Paulo sempre negou que houve acordo com Marcola. A reportagem do jornal não cita, no entanto, que após o acordo, o secretário Furukawa, mais moderado, foi demitido, e Saulo, com uma postura mais radical, adquiriu mais poder, como relatou o jornalista Luís Nassif.

As Mães de Maio denunciam que a partir do dia 15 daquele mês, a Polícia Militar saiu às ruas das periferias de São Paulo e da Baixada Santista e cometeram os 505 assassinatos em poucos dias. A maioria das vítimas eram jovens negros e pobres, entre eles, uma adolescente que daria à luz no dia seguinte à sua morte.

“Ao meio dia houve toque de recolher da polícia, que considerava quem estivesse na rua como inimigo. Esse depoimento está nos autos dos processos. Cancelaram as linhas telefônicas e começaram os ataques. Mataram meu filho, mataram famílias inteiras, mataram mulheres, moças”, diz Debora. “Vimos essa reportagem hoje e não entendemos o porquê foi publicada agora, inclusive em um jornal que não cobrou nada na época”.

De acordo com Nassif, homens encapuzados, em motos, saíram pelas ruas alvejando as pessoas. Em seguida, chegavam viaturas da PM para destruir as provas. Os corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) e, na sua maioria, os laudos foram inconclusivos. A matança reduziu quando procuradores federais e médicos do Conselho Regional de Medicina foram ao IML para acompanhar a elaboração dos laudos.

O Ministério Público Estadual, a Justiça de São Paulo e a grande imprensa do estado pouco investigaram o ocorrido. Sem continuidade no processo, o Movimento Mães de Maio conseguiu enviar as investigações para Brasília, federalizando a apuração. O Procurador Geral Rodrigo Janot, no entanto, não deu continuidade ao caso.

“Saulo de Castro Abreu nunca foi investigado. Hoje ele é secretário (de Governo de Alckmin). Precisa ser investigado”, reivindica a militante do Mães de Maio. “Houve omissão, hoje, até do governo federal. Estamos pedindo uma agenda com a presidenta Dilma Rousseff há mais de dois anos e ela nunca nos recebeu. O único convite foi após as Jornadas de Junho de 2013, mas negamos, porque queremos que a pauta seja o massacre.”