Em SP, manifestantes chamam Cunha de ‘fascista’ e prometem barrar redução ‘na marra’
Grupo defende efetivação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e o desenvolvimento de políticas públicas de educação e trabalho para os adolescentes em lugar do encarceramento
Publicado 07/07/2015 - 19h43
Em Brasília, manifestantes tingem de vermelho as águas do lago em frente ao Congresso contra a PEC 171
São Paulo – Cerca de oito mil pessoas contrárias à redução da maioridade penal marcharam no centro de São Paulo, entre 18h30 e 20h, contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, de 1993, que reduz a idade penal de 18 para 16 anos. Eles seguiram do vão livre do Masp, na Avenida Paulista, à Praça Roosevelt. O ato foi convocado pelas redes sociais e não tem liderança de nenhum movimento social, embora tenha contado com a participação de vários deles.
Os manifestantes cobram que a PEC seja arquivada e que sejam apuradas as manobras do presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para garantir a aprovação da matéria, Cunha a colocou novamente em votação, com algumas modificações, um dia após a mesma ter sido rejeitada. “Cunha, fascista, não passará!”, dizem os manifestantes. Eles garantem que vão barrar “na marra” a proposta, que ainda será votada na Câmara em segundo turno.
Na quarta-feira (1º), a PEC teve 303 votos favoráveis – dos 308 necessários – e 184 contrários. No entanto, voltou à pauta com supressão de alguns termos, e foi aprovada por 323 votos e 155 contrários. A proposta ainda precisa passar por uma nova votação na Câmara e duas no Senado.
Para o professor Douglas Belchior, da Uneafro, entidade que mantém cursos populares para jovens negros e de baixa renda, a redução não resolve os problemas que são apontados, de segurança pública e violência. Ele ressaltou que a raiz dos problemas de segurança pública e violência está na má distribuição de renda e nos bolsões de pobreza, que “deixam os jovens sem perspectiva, e coloca para eles como oportunidade o ingresso no mundo do crime organizado”. “Também é preciso considerar que a lei penal sempre foi usada contra pobres e pretos, os filhos dos ricos não serão afetados por uma lei como essa, então, ela é injusta e segregadora.”
Segundo Belchior, já existem boas ideias a ser desenvolvidas, e elas estão previstas no no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), “mas nunca foram colocadas em prática”. “São legislações reconhecidas internacionalmente como o que há de mais avançado para o desenvolvimento da juventude, um desenvolvimento completo, amplo, isso sem contar o básico, saúde, educação, desenvolvimento urbano e trabalho.”
Para Ariele Tavares, da executiva nacional da Associação Nacional dos Estudantes Livres (Anel), não é verdade que a maior parte dos crimes é cometida por jovens, como se tentou fazer parecer nas discussões na Câmara. Ela afirmou que os jovens são as principais vítimas. “Um estado que não provê política de educação, cultura e profissionalização para a juventude, não tem legitimidade para querer encarcerar os jovens.”
Valdison Pereira, membro da Frente Nacional contra a Redução da Maioridade Penal, disse que é preciso implementar efetivamente o Estatuto da Criança e do Adolescente e não “deixá-lo fragmentado, como está acontecendo hoje”. “Também é preciso desenvolver políticas de educação, trabalho e cultura, tudo o que amplia a proteção dos jovens”, disse, acrescentando que essa é a melhor ação possível contra a violência.
A redução é uma medida artificial e simplista que não resolve nenhum problema e não vai ao encontro de defender a vida dos jovens, para o padre Júlio Lancelotti. “A proposta é só uma cortina de fumaça que não considera a complexidade da vida no neoliberalismo decadente. Enquanto vivermos nesse sistema não haverá resposta possível para a violência.”
Também presente ao ato Beatriz Lourenço, do Levante Popular da Juventude, afirmou que é irracional propor a redução da maioridade penal e o encarceramento dos jovens. “Se encarcerar não resolve com os adultos, como vai resolver com os jovens”, disse, enfatizando que eles são as maiores vítimas da violência e que “o estado devia prover políticas de educação, cultura e até mesmo de trabalho”.
Para Gabriela Keller, do coletivo Ruas, a redução só vai perpetuar e ampliar a violência contra os jovens pobres e negros.
No Rio, estudantes secundaristas e universitários também fazem no início da noite desta terça-feira manifestação no centro do Rio contra a PEC 171. Os manifestantes seguem pela Avenida Rio Branco e pretendem chegar até o escritório político do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos defensores da redução da maioridade penal.
O presidente regional da União Estadual dos Estudantes (UEE-RJ), Leonardo Guimarães, classificou de golpe a manobra regimental que permitiu a aprovação da matéria e disse que é possível reverter a votação em segundo turno: “É unanimidade nos movimentos estudantis: nós somos contra a redução da maioridade penal. A solução para a violência não passa pela redução nem por mais cadeias.”
O diretor eleito de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), Felipe Garcez, afirmou que ainda haverá muita mobilização nas ruas contra a PEC e ressaltou que, se for preciso, a UNE recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. “A UNE é contra essa proposta, que quer encarcerar a juventude brasileira, e tem feito mobilizações em todo o país. A solução é mais escolas”, disse Garcez, que deve tomar posse no próximo dia 14 em Brasília.
Outras manifestações estão ocorrendo simultaneamente em Porto Alegre e Brasília.
Mazelas
“A redução da maioridade penal não vem para resolver as mazelas centrais da sociedade brasileira, advindas da corrupção de políticos, eleitos pelos interesses escusos de empreiteiros, banqueiros, latifundiários e grandes veículos de comunicação; mas pode fazer muito por intensificar a violência que tanto sofrem já as periferias, onde direitos básicos são negados por qualquer pretexto”, defendia a convocatória do ato carioca.
Para os manifestantes, a proposta de redução, além de discriminatória, não resolve o problema da violência. Eles reivindicam o aprimoramento do Sinase, que define uma série de ações e medidas para adolescentes entre 12 e 17 anos que cometeram atos infracionais, como atendimento psicossocial para toda a família, inserção em formação profissional e no ensino regular.
Em 2012, o Brasil tinha 108.554 adolescentes cumprindo medida socioeducativa, segundo o Censo do Sistema Único de Assistência Social, elaborado em 2014. O número equivale a 0,18% dos 60 milhões de brasileiros com menos de 18 anos. Desses, 20.532 (19%) tinham cometido atos infracionais considerados graves e cumpriam medida de internação ou semiliberdade. Outros 88.022 (81%) estavam em prestação de serviço à comunidade ou liberdade assistida – destinada a atos de menor potencial ofensivo.
Do total de adolescentes em conflito com a lei, 9% haviam cometido homicídio, 2,1% latrocínio, 1,4% estupro e 0,8 lesão corporal. A prática de roubo respondeu por 38,6% dos casos e o tráfico de drogas, por 27%.
Relatório divulgado no mês passado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, indica que 40% das unidades de internação para jovens são insalubres e 66% delas estão superlotadas. Além disso, 38,5% das unidades deinternação não possuem espaços adequados para atividades profissionalizantes e 28,7% não possuem salas de aula adequadas.
Próximos passos
A Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal prepara uma manifestação para segunda-feira (13), data que o ECA completa 25 anos. Será às 13h, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo.
Também a partir do dia 13, o Centro de Defesa da criança e do Adolescente (Cedeca) de Interlagos realiza a Semana de Mobilização dos Direitos da Criança e do Adolescente, com foco no combate à redução da maioridade penal. O evento vai ocorrer no Circo Escola Grajaú, na zona sul da cidade e terá debates, shows, peça de teatro, oficinas e exposição.
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Com informações da Agência Brasil