Constrangimento

Organizações denunciam Tribunal de Justiça de São Paulo à ONU

Conectas Direitos Humanos e Associação de Juízes pela Democracia (AJD) delataram às Nações Unidas que o Judiciário paulista afasta magistrados que optam por manter réus em liberdade

Antonio Cruz/ ABr

Para a Conectas, encarceramento em massa contribui para violações de direitos humanos

São Paulo – As organizações sociais Conectas Direitos Humanos e Associação de Juízes pela Democracia (AJD) denunciaram hoje (22) o Tribunal de Justiça de São Paulo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, pelo fato de o órgão estar punindo magistrados que emitem sentenças mais favoráveis à manutenção do réu em liberdade do que à sua condenação à prisão. As entidades entendem que essa postura do TJ contribui com a cultura de encarceramento em massa no estado, que já tem a maior população carcerária do país.

A denúncia, além de criar um constrangimento internacional para o Brasil, que pode ser enfraquecido em tentativas de futuros acordos internacionais, será acolhida pelo presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Remigiusz Achilles Henczel, que pode se pronunciar sobre o caso e demandar uma resposta do Estado brasileiro.

Além disso, sempre que é feita uma denúncia sobre Brasil à ONU, a missão que o país tem em Genebra (capital da Suíça) envia um telegrama ao Itamaraty, solicitando que se pronuncie sobre o caso. É o chamado “efeito escala”, que pode forçar o governo federal ou o governo paulista a se pronunciar sobre o caso, para que não caia no esquecimento. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas reúne-se três vezes ao ano, em março, junho e setembro, quando a questão poderá ser retomada.

Na denúncia, as entidades expuseram o caso do juiz Roberto Corcioli, que foi transferido da Vara Criminal em que atuava em setembro de 2014 porque suas decisões estariam desagradando a alguns membros do Ministério Público, que exigiram seu afastamento ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Segundo os promotores, o perfil dito “garantista” do juiz – no caso, mais sensível aos direitos processuais e constitucionais dos réus – deveria ser objeto de repulsa. O TJ-SP acolheu a representação e afastou o juiz, alegando que ele não estava agindo conforme o “esperado”. Corcioli denunciou seu afastamento ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que lhe deu razão, mas o Tribunal paulista recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e uma liminar dada pela ministra Rosa Weber suspendeu os efeitos da decisão do Conselho. O caso agora aguarda julgamento definitivo.

No entendimento das organizações, o caso demonstra como a falta de critérios impessoais e objetivos para a nomeação e movimentação de magistrados tem ferido a independência judicial no país. “Alguns casos, que ganharam repercussão nacional, escancaram a discricionariedade absoluta das presidências dos Tribunais em movimentar juízes auxiliares que não compactuam com seu pensamento e orientação”, denunciou o representante da Conectas em Genebra, Paulo Logon, durante a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

“A questão torna-se ainda mais grave quando está em jogo um dos valores mais caros para a humanidade: a liberdade. A atual política de encarceramento em massa do Brasil contribui para a ocorrência de graves violações de direitos humanos cometidas dentro do sistema prisional brasileiro e leva o Brasil ao terceiro lugar dos países que mais prendem no mundo. O Poder Judiciário tem um papel determinante dentro dessa política e, no mínimo, deve preservar as garantias de uma prestação jurisdicional independente. O controle ideológico de juízes que rompem com a cultura da prisão deve ser banido”, completou Logon.

Ao todo, 18,7% dos presos brasileiros não precisariam estar privados de liberdade, segundo o Mapa do Encarceramento, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ). Isso ocorre porque eles se enquadram em um perfil para o qual o Código de Processo Penal prevê penas alternativas.

Segundo o relatório, a prisão desnecessária deve estar relacionada às “tendências punitivistas” da Justiça criminal, às deficiências no exercício no direito de defesa e na função fiscalizadora do Ministério Público. Além disso, há um grande número de presos que ainda aguardam  julgamento.

A pesquisa aponta que o total de pessoas presas no Brasil aumentou 74% entre 2005 e 2012, passando de 296.919 para 515.482. O crescimento da população carcerária foi impulsionado sobretudo pela prisão de jovens, negros e mulheres, segundo o levantamento.

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