na segunda-feira

Justiça retoma julgamento sobre áreas leiloadas na zona sul de São Paulo

Com um parecer favorável e outro contrário, decisão a ser tomada pode selar destino das famílias, que vivem no Brooklin e Campo Belo, entre despejo ou concessão de uso

Danilo Ramos/RBA

Morador apresenta conta de energia de 1993, como prova de moradia no local, o que deveria garantir concessão de uso

São Paulo – As 400 famílias que vivem em 42 imóveis do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) nos bairros do Brooklin e Campo Belo, na zona sul de São Paulo, voltaram a ser assombradas com a possibilidade de as áreas serem vendidas pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB). A Justiça paulista vai julgar na próxima segunda-feira (22) recurso do estado pedindo a anulação da decisão da juíza Alexandra Fuchs de Araújo, da 6ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, que suspendeu leilões realizados em junho do ano passado.

O governador já se utilizou do recurso de apelação especial, feito diretamente à presidência do tribunal, e conseguiu suspender a liminar concedida pela juíza, em dezembro de 2013. À época, o presidente do TJ era o desembargador Ivan Sartori. A Defensoria Pública de São Paulo, que atende às famílias, recorreu da decisão e aguarda o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com isso, os leilões ficaram suspensos em parte, já que há duas decisões diferentes.

Em paralelo, as famílias e a defensoria fizeram várias reuniões com a secretaria para pedir a suspensão dos leilões, sob alegação de que o governo paulista precisava realizar um estudo social das áreas e prestar atendimento habitacional, antes de realizar os leilões.

Em uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa, em fevereiro do ano passado, o governo concordou em retirar dos leilões 20 áreas onde havia pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social. Posteriormente, foram retirados mais cinco. O governo Alckmin manteve o leilão dos 17 demais, sustentado pela decisão de Sartori. Todas as casas foram vendidas pelo valor venal, muito abaixo do preço de mercado, que na região do Brooklin e do campo Belo, é um dos mais caros de São Paulo.

As famílias desses últimos dependem completamente da decisão de segunda-feira. Muitas delas estão sob ameaça iminente de despejo, pois, como o processo de venda das casas em que vivem não foi suspenso, os compradores estão ingressando com pedidos de reintegração de posse. Alguns já tiveram decisões favoráveis aos compradores, segundo as famílias.

“Vivemos uma humilhação diária. Moramos no local há 24 anos, mas agora não deixamos mais os cães no quintal, nem o carro na garagem, nem luzes acesas. Todos os dias saímos para trabalhar sem saber se vamos poder dormir naquela casa. Também temos medo de que chegue uma ordem de despejo e acabemos perdendo o pouco que temos”, relatou o taxista Irani Costa Carmo Júnior, que vive com a mãe, a avó, a esposa e um filho. A média de moradia no local é de 30 anos.

“A gente só quer morar, viver com tranquilidade. O estado não tem necessidade desse dinheiro. Nós precisamos dessa residência. Não temos para onde ir”, completou Irani.

Porém, se o governo Alckmin tiver uma decisão favorável, todos os imóveis poderão ter seus processos de venda concluídos. Inclusive os do acordo anterior. Nenhuma reunião foi realizada entre as famílias e secretaria neste ano. O estudo social que o governo se comprometeu a fazer nas áreas habitadas por pessoas em situação de vulnerabilidade tampouco foi feito.

Na rua Sônia Ribeiro, próximo da avenida Washington Luís, quatro famílias, em um total de 12 pessoas, dividem o mesmo espaço que, para o governo paulista, é um lote único. A dona de casa Elizabeth Aparecida da Silva, de 31 anos, vive no local há 18 anos. Com ela moram o marido, Bruno da Silva, 24, e as duas filhas, Maria Luíza, de 5 anos, e Yasmin, de 2. “Nós nunca fomos procurados, nem antes do leilão, nem depois, nem com a decisão judicial. Só soubemos dos leilões pelo Diário Oficial. Não sei o que vamos fazer se precisar sair daqui”, desabafou Elizabeth.

O governo sustenta que a alienação de imóveis é necessária para capitalizar a Companhia Paulista de Parcerias, empresa estadual que realiza empreendimentos em conjunto com a iniciativa privada. A Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional, que organiza os leilões, alegou, à época, que as áreas estavam vazias e que depois as áreas e casas foram ocupadas irregularmente. Nunca reconheceu os documentos do DER.

A juíza Alexandra considerou que o governo estadual devia ter prestado atendimento habitacional às famílias, sobretudo porque tinha conhecimento da presença delas nos imóveis, já que foram cedidos para uso pelo DER. Também levou em conta que elas não foram avisadas do processo. O governo recorreu da decisão dela, mas a mesma foi mantida pelos desembargadores do Tribunal de Justiça (TJ).

Ela também defendeu que as famílias teriam direito a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia. Regulamentada pela Medida Provisória 2220, de 2001, a concessão define que o morador de área pública por mais de cinco anos, ininterruptos e não questionados até 30 de junho de 2001, tem direito a concessão, que não é um documento de propriedade, mas uma garantia de uso por toda a vida. Durante todo o tempo de moradia, as famílias pagaram água, luz e, até mesmo, o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) dos imóveis.

“O estado até pode leiloar as áreas. Mas tem de assumir a responsabilidade sobre as famílias. Não pode simplesmente jogar todo mundo na rua. São idosos, crianças, gente trabalhadora”, concluiu a conselheira tutelar de Santo Amaro, Néia Arantes, que também presta apoio às famílias.

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