da academia para as ruas

David Harvey sugere a Haddad abrir espaço para movimentos revolucionários

‘Sem esses espaços, o aparato repressivo do Estado cresce’, argumenta o geógrafo britânico ao prefeito, no encerramento do Seminário Cidades Rebeldes, em São Paulo

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Harvey: “O acúmulo de capital depende cada vez mais da urbanização como forma primária de acúmulo”

São Paulo – O geógrafo David Harvey, considerado um dos marxistas mais influentes da atualidade, não precisou ser questionado para deixar uma sugestão ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, durante debate em que participaram juntos na noite de ontem (12), na capital paulista. A dica, permeada pelas influências mais à esquerda da academia, valeria para qualquer município: “Se alguém me perguntasse que conselho eu dou para o prefeito, diria: ‘Abra o maior número possível de espaços onde movimentos revolucionários possam acontecer’”.

“A revolução não ocorrerá amanhã. O processo vai ser demorado e a tarefa que pode ser feita é dar a oportunidade de se criar esses movimentos revolucionários. Sem esses espaços, o aparato repressivo do Estado cresce”, explicou. “Eu sou um anticapitalista por motivos racionais. Qualquer pessoa que olhe objetivamente para a situação que estamos pode pensar o mesmo.”

Haddad, Harvey e o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Guilherme Wisnik, participaram do encerramento do seminário Cidades Rebeldes, promovido pela editora Boitempo e pelo Sesc, entre terça-feira (9) e ontem. Mediados pelo professor de Literatura Brasileira da USP, Flávio Aguiar, eles discutiram o tema “Da Primavera dos Povos às cidades rebeldes: para pensar a cidade moderna”.

“O que me parece urgente é explorar as possibilidades, porque não está claro como alianças de classe podem se forjar dentro das cidades e dos Estados para que se criem alternativas emancipatórias que possam se firmar numa perspectiva anticapitalista”, disse Haddad. “Em muitas abordagens você vê que os conceitos não estão sólidos em relação a essa questão: qual o papel do Estado diante das transformações na nossa sociedade e quais são seus limites.”

Em tom muito acadêmico, ambos concordaram que as cidades são elementos cada vez mais decisivos no processo de acumulação capitalista, o que, para Harvey, reforça a necessidade de criar espaço para movimentos de resistência, que tornem as cidades mais humanas, mais democráticas e mais inclusivas. Isso porque a lógica das políticas urbanas privilegia cada vez mais os interesses do mercado imobiliário e os grandes empreendimentos e não a qualidade de vida dos habitantes.

“O acúmulo de capital depende cada vez mais da urbanização como forma primária de acúmulo. A urbanização que vemos é motivada pela dinâmica e pelas necessidades do capital. Tudo é pensado para que se possa acumular mais”, diz Harvey. “Quando as pessoas perdem suas casas nas crises imobiliárias é uma imensa transferência de riqueza de uma população vulnerável para organizações que estão especulando no mercado. O futuro do capital vai ser definido pela batalha de classe, articulada ao processo de urbanização.”

“Não há acumulação sem urbanização. De certa maneira, estamos concebendo as cidades como mercadoria e é dentro desse cenário que temos que pensar o Estado e as classes sociais”, disse Haddad. “O processo de produção não se dá só no chão da fábrica, mas nas cidades também. Quando o trabalhador não está na fábrica, vendendo sua força de trabalho, está repondo suas energias para trabalhar no dia seguinte. Essa órbita do trabalhador podemos chamar de cidadania. Quando se discute transporte e moradia estamos discutindo metabolismo das cidades para repor as forças do trabalhador.”

Para conseguir mobilizar os trabalhadores, Harvey defende que, além da militância sindical nas fábricas, é preciso fortalecer as organizações de bairro, em um movimento típico do anarquismo, já que os bairros concentram todos os tipos de trabalhadores, dos mais diversos setores.

“Vai ser uma organização que entende a condição de toda a classe operária, não importa onde ela é empregada: se é taxista, se trabalha em um restaurante, se conserta telefones…”, exemplificou. “Eu acho que o futuro da esquerda depende muito de reunir o melhor da anarquia e o melhor do marxismo. Se essas duas correntes não capitalistas não conseguirem se unir em um processo político, a esquerda vai falhar. Para mim, é um momento muito positivo porque essa nova forma de fazer política pode dar certo. Mas a esquerda, muito curiosamente é muito conservadora, ela não quer largar duas ideias.”