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CNJ reserva 20% das vagas nos cargos judiciários para negros

Apesar de serem mais metade da população brasileira (50,7%), negros ocupam apenas 18% dos cargos mais importantes do país. Entre os 16.812 juízes do Brasil, apenas 1,4% são negros

Gil Ferreira/Agência CNJ

Ministro Lewandowski conversa com militantes do movimento negro no plenário do CNJ

São Paulo – O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou ontem (9) a reserva de vagas para negros nos concursos públicos de juízes ou de outros cargos efetivos do Poder Judiciário. A partir de agora, haverá reserva mínima de 20% das vagas para esses candidatos, sendo que o percentual poderá ser elevado, dependendo de cada tribunal.

A regra valerá para seleção de servidores do próprio CNJ, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país, além dos tribunais do Trabalho, Eleitorais, Militares e também Tribunais Estaduais e do Distrito Federal. No caso de juízes, a cota de 20% valerá para concursos federais, da Justiça do Trabalho e para juízes militares, de primeira instância e da Justiça estadual.

O Supremo Tribunal Federal ficou fora da resolução porque não é submetido ao CNJ, mas já reserva 20% das vagas em concursos para servidores negros. Os tribunais superiores, como o próprio STF, o STJ, o TST e o TSE, não terão cota para ministros porque suas vagas são preenchidas por indicação da Presidência da República, não por concurso.

De acordo com um levantamento recente realizado pelo jornal Folha de S. Paulo, os negros, apesar de serem mais metade da população brasileira (50,7%, segundo o IBGE), ocupam apenas 18% dos cargos mais importantes no Brasil, que incluem senadores, acadêmicos, atores, deputados, governadores, médicos, presidentes de empresas e ministros do STF e STJ. Entre os 16.812 juízes do Brasil, apenas 1,4% são negros, segundo o censo do Poder Judiciário.

Com a decisão, a magistratura passa a ser a primeira carreira jurídica a estabelecer esse tipo de política afirmativa para preenchimento de vagas. “Estamos diante de um momento importante, pois é primeira vez que um dos poderes da República reservará uma cota para cidadãos oriundos de mais de 50% da população que não têm acesso aos cargos de poder neste país”, disse o presidente Ricardo Lewandowski ao CNJ. “Esse é um passo histórico muito relevante, pois estamos contribuindo para a pacificação e a integração deste país, e de certa forma reparamos um erro histórico em relação aos afrodescendentes.”

A proposta de resolução foi apresentada pelo relator Paulo Teixeira na última sessão plenária em 26 de maio, mas houve pedido de vista do conselheiro Fabiano Silveira, que defendeu que a reserva de vagas poderia ser ineficaz, uma vez que diversos tribunais não conseguem preencher os postos para magistratura. “A lógica que predomina é que há sobra de vagas. Faço ponderação para que a resolução pelo menos contemple a faculdade de o tribunal estabelecer um bônus de pontuação”, disse.

Alguns conselheiros alegaram que a bonificação poderia ser questionada legalmente e que poderia resultar na aprovação de magistrados sem qualificação mínima. Foi sugerido que se criasse uma nota de corte. No entanto, a redação final, acabou determinando que cada tribunal tem autonomia de definir outras políticas afirmativas de acesso a cargos no Judiciário, além da reserva de 20% das vagas para negros.

“Isso é a recuperação da história e de conquista que se estabeleceu em razão de um regime em que os negros nunca tiveram acesso ao mínimo de educação e saúde, e hoje o país passa por uma política de valorização desses segmentos e de reconquista desse espaço na sociedade”, disse o conselheiro Paulo Teixeira, ao CNJ.

“A sociedade tem imposto uma série de barreiras para as minorias que têm se superado com muito sacrifício. É importante que o Judiciário seja plural, formado por composições diversas que advêm da sociedade, com fatos levados ao Judiciário por diversos setores”, disse o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Pereira de Souza Neto, que participou da discussão.

O subprocurador-geral do Ministério Público da República, Eugênio Aragão, também defendeu a adoção de cotas. “Me parece que a ação afirmativa não precisa de justificativa, é evidente que existe necessidade premente de criar mais acesso aos cargos públicos aos segmentos mais diversificados da sociedade. Por isso, entendo que o CNJ está de parabéns, é uma vanguarda das carreiras de Estado ao adotar medida dessa qualidade, que deve animar outras carreiras.”

Desigualdade

O perfil dos magistrados do país é formado, essencialmente, por homens (64%), brancos (84,5%), casados (80%) e heterossexuais – somente 1,1% (ou 122) disse ser casado com pessoas do mesmo sexo, de acordo com o censo. Ao todo, 84,5% dos juízes são brancos, 14% pardos e 0,1% indígenas – além dos 1,4% de negros.

As diferenças aparecem também quando analisados os gêneros: entre as juízas, 14% disseram ter mais dificuldades para serem promovidas do que colegas homens. Ao todo, 25% das entrevistadas contaram que já vivenciaram reação negativa por parte dos cidadãos por ser mulheres e 30% afirmaram enfrentar reações negativas de outros profissionais da Justiça. As juízas com filhos representam percentual menor do que seus pares homens: 71% ante 78%.

Foram ouvidos, por meio de um questionário na internet, 10.796 juízes no Brasil, o equivalente a 64% do total.

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