cidades rebeldes

Ativistas veem periferias como centro da luta social nos próximos anos

Para líder do MTST, direito à cidade deve alimentar cada vez mais revoltas e mobilizações. Ele avalia que a esquerda ainda não conseguiu apresentar uma resposta para os problemas que se colocam

Divulgação

Boulos, Vera Telles e Ferréz participaram de debate ontem no seminário Cidades Rebeldes

São Paulo – “A segregação abre caminho para a rebeldia”, afirmou o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST), Guilherme Boulos, ao avaliar as mobilizações por melhores condições de vida que vêm ocorrendo e se articulando nas periferias das grandes cidades. Citando o movimento piqueteiro da Argentina, ele considera que a organização da população centrada nos sindicatos não se aplica a um tempo em que os trabalhadores estão fragmentados, sendo autônomos, camelôs, terceirizados. “A nova fábrica é o bairro.”

Segundo o ativista, da mesma forma a indústria no passado era, ao mesmo tempo, um local de exploração e de negação de direitos sociais, mas também um espaço de rebeldia. “Foi o fato de estarem concentrados ali que deu possibilidade de criar a identidade coletiva de trabalhadores. Isso agora se aplica às periferias”, defendeu, na tarde de hoje (10), no evento seminário Cidades Rebeldes, realizado pela Boitempo Editorial e o Sesc Pinheiros, iniciado terça-feira (9) e com encerramento amanhã (12).

O evento também marca o lançamento do livro De Que Lado Você Está?, que reúne escritos do coordenador dos sem-teto. Boulos concedeu entrevista exclusiva à RBA sobre o tema, publicada na segunda-feira (8).

    A professora livre-docente de sociologia da USP Vera Telles defendeu que é importante observar como a formatação de mobilização centralizada e organizada a partir de um movimento ou sindicato vem sendo substituída por grupos cada vez mais diversos e pulverizados, articulados por moradores, ativistas, estudantes, pesquisadores, coletivos. “Existe uma circulação das formas de rebeldia e de composição de forças que vai montando um novo campo político multiforme, mutante, que ainda não tem definição”, analisou.

    Para Vera, o processo de revoltas tem se intensificado também por conta da mercantilização dos espaços públicos e uma lógica cada vez mais militarizada da gestão urbana. “Esses movimentos colocam em pauta a forma como a cidade se organiza. Querem se reapossar, ter uma perspectiva de futuro que não seja rebatida por uma lógica de mercado”, afirmou.

    Boulos reconhece os avanços sociais dos últimos 12 anos. Mas associa a falta de regulação sobre o mercado habitacional e de políticas de urbanização a mais exclusão social. “O modelo petista, apesar de trazer avanços sociais, agravou a crise urbana no país.” Segundo ele, o modelo de desenvolvimento pautado em ampliação do crédito e muito direcionado ao setor da construção civil criou empregos, fortaleceu bancos públicos e possibilitou a parte dos trabalhadores acesso a casa própria, lembrando que o estoque de recursos para crédito, em 2005, foi de R$ 4 bilhões e em 2014, de R$ 104 bilhões. “Isso não se faz sem efeitos colaterais.”

    O ativista, porém, não vê o programa Minha Casa Minha Vida como resposta adequada à demanda habitacional. “Você construiu as casas, elas estão ali e tem gente morando, mas as cidades são uma fábrica de sem-teto”, disse. Falta ao programa, de acordo com Boulos, uma regulação. “Com essa ausência de regulação, o que tivemos foi o aumento exponencial do aluguel. Entre 2011 e 2014 houve mais de 200% de valorização no valor dos aluguéis. E a valorização exclui”, emendou. “Ao valorizar o bairro, e o preço dos aluguéis subir de R$ 300 para R$ 600, a maior parte dos trabalhadores, que vive de aluguel, vai ter de viver cada vez mais longe. Isso explica o fracasso do Minha casa Minha Vida. Construiu 2 milhões de casas e aumentou o déficit habitacional”, disse. “O efeito dessa medida será sentido pela população mais pobre, com todas as consequências de piora na mobilidade, no acesso a serviços públicos, na qualidade de vida.”

    Ele citou outros momentos em que a organização comunitária explodiu e conseguiu vitórias importantes no campo popular, como a revolta da água de 2001 em Cochabamba, na Bolívia, contra a privatização dos serviços de tratamento e fornecimento de água.

    Uma preocupação dos participantes do debate é a tomada dessas mobilizações por movimentos de orientação conservadora, com objetivos de liquidar os poucos avanços ocorridos. E têm conseguido a adesão mesmo daqueles que tiveram alguma melhora em suas condições de vida e que ao mesmo tempo seguem sendo excluídos do direito à cidade.

    Para o escritor Ferréz, o avanço se dá porque os grupos de esquerda ligados a partidos perderam o contato com o povo. “O PT e os partidos populares saíram da quebrada. Os vereadores que colavam não vão mais lá,. Eu nunca fui ligado a partido, mas os caras convidavam a gente pra ir num evento, iam até lá. Falavam de política, de questões sociais. Mas de uns anos pra cá isso acabou”, afirmou.

    Boulos enxerga uma incapacidade da esquerda em geral de apresentar respostas aos problemas que se apresentam. “Falamos de aumento do aluguel, segregação, exclusão, violência. A esquerda até agora não teve capacidade de mostrar uma saída à esquerda. E quem tá fazendo isso é a direita, que tem mais recurso, tem a mídia”, concluiu.

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