Moradia

Advogados denunciam revista vexatória a detidos em reintegração em São Paulo

'Eles tinham cozinha comunitária e creche, era um dos movimentos mais organizados na cidade', disse advogada em defesa do movimento

Fotoarena/Folhapress

Advogada afirma que ocupação era integrada também por pessoas de maior vulnerabilidade, como crianças, adolescentes e idosos

São Paulo – As dez pessoas detidas na manhã de hoje (17) em ação de reintegração de posse, executada pela Tropa de Choque da Polícia Militar em prédio ocupado desde abril por 89 famílias, na rua Xavier de Toledo, centro de São Paulo, passaram por revista vexatória no 3º DP, segundo os advogados dos movimentos sociais que acompanharam o caso. A reintegração da ocupação, conhecida como Almirante Negro, acabou no início da tarde. Oito foram liberados e restavam dois detidos ainda no final da tarde.

“Teve revista humilhante, foram todos revistados nus”, disse o advogado Benedito Roberto Barbosa, da ONG Gaspar Garcia, voltada à defesa de direitos humanos dos movimentos de moradia e de ambulantes. Segundo Barbosa, houve abuso de autoridade na execução da ação de reintegração de posse.

“A revista vexatória é proibida”, afirmou a advogada Kelseny Medeiros Pinho, em defesa do movimento. “Tiveram de ficar nus e agachar. A gente não pôde interferir, não deixaram a gente entrar e, por isso, tivemos de acionar a OAB”, afirmou. “O delegado foi irredutível, disse que a delegacia era área de segurança, a imprensa foi expulsa e a funcionária da recepção tentou nos intimidar, tirando fotos”, disse Kelseny. “Ele (o delegado) ficou inquirindo as pessoas, perguntando se tinham drogas ou armas, intimidando-as, e ameaçou os advogados, disse que poderíamos ser presos por desacato”, continuou Kelseny.

O delegado de plantão, Fabiano Vieira da Silva, disse que os participantes do movimento foram detidos porque havia barricadas no prédio da rua Xavier de Toledo, 83, ocupado pela Frente de Luta por Moradia (FLM). “Dez pessoas estão sendo autuadas. Nós achamos o pleito deles justo, mas eles foram detidos por conta das barricadas e de desacato aos policiais”, afirmou.

Na semana passada, os advogados do movimento pediram auxílio do Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (Gaorp), criado em dezembro do ano passado para resolver conflitos de reintegração de posse por meio de conciliação. “O prédio ocupado está na lista da prefeitura de imóveis que não cumprem função social”, disse Kelseny. “O prédio estava abandonado há muito tempo”, afirmou.

A ocupação na Xavier de Toledo também era ligada à Central de Movimentos Populares. “Eles tinham cozinha comunitária e creche, era um dos movimentos mais organizados na cidade”, disse a advogada, destacando que a ocupação era integrada também por pessoas de maior vulnerabilidade, como crianças, adolescentes e idosos.

Enquanto aguardavam a liberação dos moradores, os advogados em frente ao 3º DP comentavam que as ações de reintegração de posse liberadas por medidas liminares têm sido mais rápidas do que normalmente ocorria. “É quase imediata”, disse Kelseny. “Há um recrudescimento dos juízes de primeira instância e acreditamos que seja reação à implantação do Gaorp neste momento de avanço do conservadorismo.”

A advogada lembrou que há toda uma mobilização contra as ocupações em defesa da moradia popular no país, e citou a Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, que sofre pressão da prefeitura para integrar a área à Vila Olímpica para os jogos do próximo ano, e o movimento Ocupa Estelita, no Recife, que luta contra a cessão de uma área estratégica na cidade para a especulação imobiliária. “Isso não é um fenômeno só de São Paulo”, destacou.

“Temos uma lista com 49 reintegrações de posse que estamos acompanhando, 25 delas somente no centro de São Paulo”, afirmou o advogado Benedito Barbosa. Ele disse que todas essas ações envolvem cerca de 10 mil famílias. Duas das maiores ocupações da cidade são a Douglas Rodrigues, com 2,6 mil pessoas na Vila Maria, zona norte da cidade, e o ocupação Prestes Maia, na região da Luz. Lá estão abrigadas em torno de 300 famílias.

Os advogados do grupo detido tiveram dificuldades de acompanhar as pessoas na delegacia. O ouvidor que estava de plantão explicou que a obstrução dos advogados fazia parte do procedimento, mas que os advogados seriam chamados para acompanhar o inquérito.

Mas por conta da possibilidade de violação de prerrogativas dos advogados, com base na Lei 8.906/94, foi acionada a comissão de plantão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ao chegar à delegacia, o representante da OAB, Marcelo Primo, disse que tentou contato telefônico e não conseguiu. “Deveriam dar melhor assistência para o advogado, é um total despropósito com as prerrogativas do advogado”.

Ocupante registra BO contra injúria racial

Ester Rufino, uma das participantes da ocupação Almirante Negro, registrou BO contra crime de racismo pelo proprietário do prédio, que a chamou de “negra de rua”, durante a ação de reintegração de posse pela Tropa de Choque. “Chamei a atenção dos policiais quando ele falou isso, é injúria racial”, afirmou Ester, que luta por moradia desde 2012. “Luto pelo direito de moradia e até hoje não há resultado”, disse a ativista.

Tiago Pompilho, de 17 anos, serralheiro, morava com pai e irmão no prédio. Ele contou que estava na ocupação havia cerca de um mês e meio. Disse que para resistir à ação de integração de posse soldaram o portão e fizeram três barricadas, uma no acesso ao prédio, outra no início da escadaria e a última no oitavo andar. “Começamos às duas da manhã e passamos a noite trabalhando”, disse à reportagem da RBA.

A Tropa de Choque da Polícia Militar entrou no prédio por volta de 8h de hoje. “Não houve violência, eles (a polícia) disseram que queriam nossa documentação e deviam sair primeiro crianças e mulheres, mas a princípio não aceitamos”, disse Tiago, destacando que não sabe onde vai morar a partir de agora.

A ação proferida hoje vai criar um “termo circunstanciado”, que pode se tornar base de uma investigação por parte do Ministério Público. “Pode haver inquérito”, afirmou Kelseny, “e as pessoas detidas serão encaminhadas para a defensoria pública”. Depois que lavra o termo, a delegacia encaminha para o Fórum e o MP avalia se vai haver uma ação penal ou não. “Se forem condenados, os participantes da ocupação podem ter de prestar serviços comunitários”, disse Kelseny.