Direito

‘Estamos partindo para um autoritarismo do Judiciário’, diz criminalista

Mariz de Oliveira, que defendeu acusada no 'mensalão' e defende executivo na Lava Jato, diz que, apesar de o STF relaxar prisões, é preocupante que ministros tenham votado a favor de manter detenções provisórias

José Cruz/ABr

No STF, em 2012, Mariz de Oliveira defendeu ex-vice-presidente de suporte operacional do Banco Rural, que foi absolvida

São Paulo – O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira foi defensor da ex-vice-presidente de suporte operacional do Banco Rural Ayanna Tenório Tôrres de Jesus, na Ação Penal 470 (o mensalão), e atualmente defende o vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite, no âmbito da Operação Lava Jato.

Mariz de Oliveira, como outros advogados criminalistas, manifesta preocupação com os rumos do Direito Penal e o endurecimento do sistema penal no Brasil. Apesar de seu cliente ter sido beneficiado e cumprir, desde março passado, prisão em regime domiciliar após acordo de colaboração com o Ministério Público Federal, o advogado não se diz otimista sobre o sistema. “Acho que estamos partindo para um autoritarismo do Judiciário que vai atentar contra o Estado democrático de Direito”, disse, em entrevista à RBA.

Para o advogado, as autorizações do Supremo Tribunal Federal (STF), no final de abril, para que executivos pudessem ir para prisão domiciliar ainda devem ser vistas com cautela. “Me preocupa o fato de, entre os cinco ministros, dois terem votado pela manutenção das prisões. Na minha ótica, isso deveria ter sido feito por unanimidade”, avalia, sobre a decisão da Segunda Turma do STF que autorizou o regime domiciliar a nove executivos no fim do mês passado por 3 votos a 2.

Votaram pela autorização à prisão domiciliar os ministros Teori Zavascki (relator), Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Cármen Lúcia e Celso de Melo manifestaram-se contra.

No julgamento do mensalão, em agosto de 2012, sua cliente Ayanna foi absolvida do crime de gestão fraudulenta por 9 votos a 2. Em sua defesa oral, no STF, Mariz de Oliveira afirmou que a acusação contra Ayanna era “kafkiana”, em alusão ao livro do escritor Franz Kafka O Processo, que mostra uma situação surrealista em que o réu não sabe os motivos nem de estar sendo acusado, nem do quê.

Leia a entrevista:

Advogados manifestam preocupação com a forma pela qual a delação premiada está sendo utilizada no país. Como o sr. avalia a questão?

Eu avalio no sentido de que a delação, como instituto, está sendo utilizada, não só pelo juiz (Sérgio) Moro, como chave de entrada e de saída das cadeias. Chave de entrada, porque se prende não mais tendo em vista a necessidade da prisão preventiva, mas se decretam as prisões preventivas para que o preso delate. E chave de saída porque ele, delatando, sai da cadeia.

Ou seja, se o réu não disser o que o juiz quer ouvir ele não sai, e a prisão preventiva está sendo usada de maneira abusiva…

Pois é, a prisão preventiva não tem mais critério de necessidade, é um instrumento para a delação, foi isso que tentei falar. E por outro lado o conteúdo das delações nem sempre é digno de confiança. Porque está-se delatando, as consequências são obtidas, quer em relação ao delator, quer em relação a terceiros que foram delatados, sem se verificar se o que foi delatado é verdadeiro ou não. Está havendo uma verdadeira leviandade por parte das autoridades em relação ao que se diz na delação. Podem ser confissões verdadeiras como podem ser levianas, apenas para que o delator saia da cadeia.

Como ficam nessa conjuntura os direitos individuais que estão na Constituição?

Estão sendo constantemente violados, não só os direitos individuais, como a dignidade pessoal, como todos os princípios do direito penal e do direito processual penal.

As pessoas leigas em Direito têm questionado: como pode uma pessoa só, no caso o juiz Sérgio Moro, ter tanto poder pessoalmente no Judiciário?

Na verdade, não é bem isso, porque quando Moro profere uma sentença, uma decisão, normalmente essa decisão é questionada perante tribunais superiores. Em regra, esses tribunais têm ratificado essas decisões dele. Então você tem o Judiciário, de modo geral, pelo menos o Judiciário que está participando dessas ações, com essa postura punitiva, não é só o Moro. Você recorre ao Tribunal Regional Federal, eles mantêm a decisão; vai para o STJ, eles mantêm; por vezes o Supremo concorda, por vezes discorda. Então não é só o juiz Moro comandando tudo isso. Ele tem uma postura que está sendo seguida por outros juízes.

Nas últimas semanas decisões do Supremo têm permitido a progressão de pena de réus da Lava Jato para a prisão domiciliar. Isso pode ser um freio a alguns abusos?

Houve um habeas corpus julgado por uma turma do tribunal, o ministro Teori participou como relator, as decisões foram obtidas por 3 a 2. Na quarta-feira (6), o ministro Teori estendeu essa decisão para mais um (o diretor-presidente do Grupo Galvão, Dario de Queiroz Galvão Filho). O que me parece é que o tribunal chegou a essa conclusão, de que as prisões já estavam decretadas há algum tempo, a maioria desde novembro, havendo portanto um excesso de prazo, e não havia mais necessidade para a manutenção das prisões.

Do ponto de vista jurídico, isso pode significar uma “correção de rumo”, em relação a alegados abusos?

Pior seria se eles tivessem negado os habeas corpus. Mas me preocupa o fato de, entre os cinco ministros (da Segunda Turma), dois terem votado pela manutenção das prisões. Na minha ótica, isso deveria ter sido feito por unanimidade.

Na sua opinião, existem semelhanças entre o desenvolvimento da AP 470, o mensalão, e a Operação Lava Jato?

A comparação factual não dá, porque são aspectos completamente diferentes. O que há de comum é o endurecimento do sistema penal. Lá nós tivemos alguns ministros abordando teses que também feriram direitos individuais, e aqui estamos vendo decisões no mesmo sentido, decisões que não estão usando o direito penal como direito de garantia da pessoa humana, e sim como instrumento de punição, apenas.

O sr. considera isso preocupante?

Extremamente preocupante. Acho que estamos partindo para um autoritarismo do Judiciário que vai atentar contra o Estado democrático de Direito.

Existe alguma solução para isso?

Não. Não tem solução no sentido de mudar a consciência dos juízes, a não ser uma resistência por parte daqueles legalistas – magistrados e advogados – que queiram que o Direito Penal retorne aos seus trilhos. O Direito Penal é um instrumento de punição, mas de garantia das liberdades individuais também.

Alguns juristas e advogados acham que, apesar de a Operação Lava Jato ser positiva, ela corre o risco de ser invalidada, devido aos abusos em algumas operações da PF, do MP e do próprio juiz Moro. Na sua opinião, ela pode ser mesmo invalidada?

Em tese, pode. Há algumas irregularidades que, se forem reconhecidas pelos tribunais, levarão à invalidação das operações. O que é preciso que se diga é que, mesmo que essas operações venham a ser invalidadas, o mal desses excessos e dessas irregularidades já foi feito. Nada vai apagar isso para as pessoas que sofreram esses males.

Como o sr. avalia a chamada PEC da Bengala?

É claro que toda composição de um tribunal merece elogios e críticas. Então você tem, compondo os tribunais, o STF e o STJ, juízes excelentes, outros controvertidos, mas de modo geral eu aprovo a PEC da Bengala. Acho que há juízes extremamente lúcidos, cuja lucidez não vai terminar aos 70 anos. Acho que esses homens são muito bem aproveitados, poderão prestar grandes serviços à nação ainda.

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