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Divulgação do censo da população de rua em São Paulo é marcada por dúvidas

Militantes da área divergem de metodologia e dos números divulgados pela prefeitura paulistana

Dominique Abed

A subprefeitura da Sé, no centro, é a que concentra o maior número de pessoas em situação de rua: 3.864 (24,3%)

São Paulo – O censo da população em situação de 2015, divulgado na última sexta-feira (8) pela Secretaria Municipal da Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), provocou um atrito entre o vigário do Povo da Rua de São Paulo, padre Júlio Lancellotti, e a gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Segundo a secretaria, o número de pessoas nessa situação aumentou 10% entre 2012 e 2015, de 14.478 para 15.905. Mas a taxa de crescimento foi menor que em outros anos.

“O número de pessoas em situação de rua segue sendo equivalente a 0,1% da população total da cidade, como foi em outros levantamentos do censo. Não é um número que nos surpreenda”, afirmou a coordenadora do Observatório de Políticas Sociais da Smads, Carolina Nakagawa. A coordenadora da Smads informou que o perfil socioeconômico será apresentado no segundo semestre, utilizando uma amostragem de cerca de mil pessoas. E ainda haverá um terceiro produto, que não existiu nos censos anteriores, que é o relatório temático de necessidades.

Para ela, o dado é resultado de um investimento de médio e longo prazo, feito nos últimos anos. “Não só nessa população mas nas camadas mais pobres como um todo. Programas de transferência de renda, ampliação da rede de proteção básica. Temos avançado nas políticas preventivas, por mais que elas ainda sejam insuficientes frente à demanda e à realidade”, explicou.

Para Lancellotti, no entanto, os dados divulgados são uma fantasia. “O número surpreende porque houve muitos problemas metodológicos e de execução do censo. Não é um número que se aproxima da realidade”, afirmou. O padre também afirmou ter relatos de trabalhadores – e os tem postado nas redes sociais –, que dizem ter feitos contagens “de forma apressada” e “de dentro dos carros”.

Ele defendeu também que o poder público devia ter buscado por pessoas em presídios e hospitais, além de instituições de abrigo não conveniadas com a prefeitura. Outros grupos estavam em áreas que os pesquisadores não teriam entrado, os chamados mocós.

“É preciso considerar estes locais que acolhem e levam até para outros municípios, como é o caso da Cristolândia, da Igreja Batista, que leva para Itaquá. E também da Missão Belém, que leva para cidades do ABC paulista. Esses dados não foram levados em conta. Só na Missão Belém são mil pessoas em situação de rua, que em algum momento voltarão”, disse.

A prefeitura, no entanto, só considera abrigos dentro do município. “Todos os abrigos que não são da prefeitura já fecharam. Hoje só existe um e foi contabilizado”, disse Carolina. Segundo ela, não há como levantar dados sobre hospitais porque o senso é uma fotografia daquele momento. “A pessoa estando hospitalizada nós não temos como garantir as informações, porque a saúde não registra quem está internado por condição, se tem casa ou está na rua”, explicou.

Ainda segundo Carolina, os mocós são contabilizados. “Entramos em viaduto, abordamos barracas, tipo de camping. Se tem estrutura superior a isso, que se caracteriza como favela, aí a gente não contabiliza”, afirmou. “A gente aborda a todos. Alguns não acordam, outros se recusam a responder. Mas como o objetivo do censo é a contagem o entrevistador responde os dados de atribuição e contabiliza. Se não puder identificar sexo, idade, nada, classifica na linha ‘sem informação’”, explicou.

O coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Anderson Lopes Miranda, também avalia que a pesquisa poderia ter sido mais completa, mas considera que os dados estão adequados à realidade. “Eu pensava que ia ter 20 mil pessoas. O meu medo era esse. Na verdade, agora, a população não aumentou como antes. Em oito anos elas estavam escondidas, com medo da higienização e da violência. Agora ela se revelou”, afirmou Miranda, que considera que a situação nas ruas melhorou.

Para Miranda, os projetos voltados para a população de rua estão tendo uma boa evolução. “Hoje temos quase 10 mil pessoas sendo atendidas pelos 80 serviços da prefeitura. Antes eram somente 40 serviços, mais 20 tendas. Tem um aumento real na atenção do poder público”, defendeu. Para ele, o problema é a falta de uma política habitacional direcionada a essa população. E o grande número de despejos sem a inclusão das famílias em auxílio-moradia ou parceria social.

Lancellotti rechaça a ideia de que a gestão Haddad é mais humana com a população em situação de rua. “Essa gestão tem se caracterizado fortemente por ações higienistas. Nesses últimos dias foi na cracolândia, mas tem havido na Vila Leopoldina, No Parque Dom Pedro II, na Santa Cecília, no Bresser. As subprefeituras não deixaram de praticar ações de remoção de pessoas de praças e ruas durante o censo. E também retirada de pertences das pessoas por parte das equipes de zeladoria e limpeza pública. Isso impactou no número final”, afirmou.

Ele também contesta os avanços sociais dos programas de assistência da prefeitura. “O número de pessoas incluídas nos programas da assistência social da prefeitura é muito pequeno. No programa Autonomia em Foco [que atende pessoas e famílias em condições psicossociais e de emprego propícias a sair da situação de rua] chega, no máximo, a 200 pessoas. Para um gasto de R$ 300 mil mensais. O número de famílias é muito maior. Assim como o número de pessoas sem nenhuma resposta do poder público”, afirmou.

O padre avaliou que os programas – Pronatec para a população de rua, Braços Abertos, Autonomia em Foco – têm estruturas muito rígidas, que não contemplam todas as necessidades da população de rua. “O que temos, na verdade, é uma ausência de alternativas humanizadas para atendimento da população em situação de rua. Ou se enquadra em determinada caixinha, ou está fora”, concluiu.

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