Abril Vermelho

Sem-teto ocupam prédios e terrenos em São Paulo ‘contra a corrupção’

Movimento questiona auxílio-moradia de magistrados e falta de aplicação de instrumentos de regulação urbana para desapropriar propriedades inutilizadas

Nivaldo Lima/Futura Press/Folhapress

Segundo o movimento, 2 mil famílias participaram da mobilização na madrugada desta segunda (13) em SP

São Paulo – Cerca de 2 mil famílias organizadas pela Frente de Luta por Moradia (FLM) realizaram 16 ocupações na madrugada de hoje (13) para denunciar o não cumprimento das leis sobre desapropriação e o “absurdo” de o Estado brasileiro conceder auxílio-moradia para juízes ao mesmo tempo que não é capaz de garantir moradia para a população de baixa renda. “É uma hipocrisia conceder esse benefício. Ainda mais sendo muitos deles os mesmos que vão determinar o despejo de milhares de famílias em vez de mandar desapropriar os prédios inutilizados”, afirmou a coordenadora da FLM Heloísa Soares. As famílias ficarão nos locais até negociarem a desapropriação.

O benefício de R$ 4.377 mensais é destinado para juízes, promotores, procuradores, desembargadores e demais membros do Judiciário, independente de possuírem moradia na cidade em que trabalham. O montante por juiz equivale a dez vezes o valor médio do auxílio-aluguel concedido pela prefeitura de São Paulo para famílias desalojadas por reintegrações de posse, obras ou desastres, que é de cerca de R$ 400. “Enquanto os mais ricos acumulam propriedades e privilégios, milhares de famílias sem-teto não têm um lugar para dormir”, protestou Heloísa.

Outra reclamação do movimento é a aplicação do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) progressivo e a consequente desapropriação dos imóveis abandonados. “Mesmo com os instrumentos jurídicos disponíveis, não se consegue fazer valer a lei. A Constituição determina que toda propriedade deve cumprir uma função social. Mas na prática isso não acontece”, afirmou.

O IPTU progressivo foi estabelecido no Estatuto das Cidades. Quando identificado um imóvel ocioso, o proprietário é notificado. Se depois disso não der uso ao local, o imposto tem a alíquota dobrada progressivamente, por cinco anos seguidos, até o limite de 15% do valor do terreno. Normalmente, a alíquota é de 2%. Se ainda assim o dono não realizar o parcelamento, a edificação ou outra utilização da área, o governo municipal pode desapropriar o imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Em outubro do ano passado, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), notificou proprietários de terrenos com mais de 500 metros quadrados sem nenhuma construção ou com prédios muito pequenos e também de edifícios com mais de 60% da área desocupada há mais de um ano, na primeira tentativa de efetivação da lei no país.

Para os sem-teto, a inoperância do Estado em fazer cumprir as leis também é uma forma de corrupção. “Quem se beneficia disso é a especulação imobiliária. Há locais abandonados há mais de uma década, que já foram ocupados, reintegrados, ocupados novamente. Só a desapropriação e a destinação para moradia popular não avança”, disse Heloísa, para quem a cobrança sobre a situação deve ser dar sobre os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Foram ocupados prédios e terrenos nas zonas norte (3), sul (2), leste (1) e no centro (10). Porém, segundo a militante, a ocupação de um terreno no bairro do Jabaquara (zona sul) e outra de um cinema abandonado no Morro Grande (zona norte), foram impedidas pela Polícia Militar (PM), com uso de bombas de efeito moral. Na primeira, três repórteres da Rede Jornalistas Livres – Giovanna Cosentini, Felipe Paiva e Wesley dos Passos – foram detidos, acusados de desacato e desobediência. Eles foram liberados no início da manhã.

Dentre os locais ocupados, um prédio na Cidade Dutra, zona sul da capital paulista, pertence ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Outros dois, na rua José Bonifácio, no centro, são propriedades do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP).

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