polícia pacificadora

Ocupação da Maré dá início à ‘nova UPP’ idealizada pelo governo do Rio

Centenas de homens do Batalhão de Choque e do Grupamento Tático de Motociclistas da PM deram início nesta madrugada à entrada oficial no Complexo da Maré, conjunto de 16 favelas na zona norte da cidade

Tomaz Silva / Agência Brasil

Ocupação da região está sendo iniciada de forma “suave” pela favela Roquete Pinto e pela Praia de Ramos, área controlada por milicianos

Rio de Janeiro – Na madrugada de hoje (1º) centenas de homens do Batalhão de Choque e do Grupamento Tático de Motociclistas (Getam) da Polícia Militar deram início à sua entrada oficial no Complexo da Maré, conjunto de 16 favelas na zona norte do Rio de Janeiro. A ação precede a implementação de quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na região e representa ao mesmo tempo um grande desafio e uma oportunidade de reafirmação para a política pacificadora do governo estadual.

A chegada da PM ao Complexo da Maré, em substituição gradual aos 3 mil homens do Exército e da Marinha que lá estão desde abril do ano passado, coincide com a divulgação pelo governo de um Plano de Ajuste para tornar mais eficientes 17 UPPs consideradas problemáticas – de um total de 38 unidades já instaladas. Coincide também com o aumento dos confrontos envolvendo policiais e traficantes em alguns dos maiores pontos de venda drogas do Rio, como Mangueira, Rocinha e Complexo do Alemão, entre outros.

Poucos dias após o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) ter assinado um decreto que, entre outras coisas, permite o estabelecimento de Parcerias Público-Privadas nacionais e internacionais para o fortalecimento de ações sociais e de infraestrutura nas favelas atendidas pela política de segurança, o Plano de Ajuste das UPPs foi apresentado pelo secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, e pelo comandante da PM, coronel Alberto Pinheiro Neto. Dois pilares sustentam o plano: a garantia de que cada UPP terá instalações físicas seguras e bem estruturadas e o esforço para formar um novo tipo de policial para atuar junto à população das comunidades “pacificadas”.

Para começar, anunciou Beltrame, serão finalmente erguidas as sedes em alvenaria das UPPs da Rocinha e do Alemão. As obras terão recursos imediatos de R$ 27 milhões, apesar do momento de austeridade que vive o governo Pezão. Nos dois locais, os policiais até hoje ficam alojados em contêineres que se tornaram nos últimos meses alvos fáceis e frequentes dos tiros de fuzil disparados por traficantes localizados em partes mais altas das favelas. Em uma das UPPs do Complexo do Alemão, policiais amedrontados trabalham há mais de um mês escondidos em uma garagem: “A partir de agora não será mais assim”, diz o secretário.

A estruturação de sedes dignas e, sobretudo, mais seguras para as UPPs foi um dos compromissos assumidos por Pezão durante as negociações para que Beltrame permanecesse à frente da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e da expansão da polícia pacificadora em seu segundo mandato: “As UPPs, a começar por essas quatro que serão instaladas na Maré, somente operarão com 100% de infraestrutura e segurança. Também serão comprados novos equipamentos de proteção individual para os policiais”, promete o secretário.

Problemas

A insuficiência de armas que possam fazer frentes aos fuzis dos traficantes ou de coletes de proteção capazes de suportar disparos de grosso calibre está entre os problemas identificados em diversas favelas no Plano de Ajuste para as UPPs. Em locais como a Mangueira e o Complexo do Lins, policiais estariam sendo corrompidos por traficantes. Em outros, como o Parque Proletário, no Complexo da Penha, a falta de viaturas policiais suficientes já estimulou os traficantes a estabelecer até pequenas “zonas de exclusão”, onde as patrulhas da PM não ousam passar.

O governo estadual reconhece os problemas enfrentados nessas comunidades, mas reafirma a importância do programa de polícia pacificadora e garante sua continuidade: “As UPPs devolveram ao poder público áreas dominadas pelo narcotráfico por décadas. Não haverá recuo diante dos feudos da violência, mas avanços após o diagnóstico das dificuldades”, diz nota pública divulgada pela SSP.

Novo policial

Para ocupar estruturas físicas mais adequadas, o governo quer policiais mais bem formados. Segundo o Plano de Ajuste das UPPs, essa formação incluirá desde cursos de tiro com armas de diversos calibres até o treinamento para que os policiais deem pronta resposta em situações de conflito ou situações de trauma causados durante operações com policiais feridos ou mortos. Mas abordagens inovadoras também fazem parte do pacote de formação, que trará desde novas técnicas de aproximação e patrulhamento até cursos sobre a história e a formação social e cultural de cada comunidade.

Outras atribuições desse novo policial das UPPs, segundo pretende o governo, serão o acompanhamento escolar de crianças e adolescentes, a realização de eventos para discutir temas ligados à cidadania e o ensino de música e práticas esportivas. Outra novidade será a instalação de “UPPs Mirins” em dez comunidades avaliadas como sendo de menor risco no ranking elaborado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Nestas comunidades, que ainda serão escolhidas, as crianças ajudarão na realização de algumas tarefas administrativas simbólicas das UPPs.

Para implementar os ajustes que o governo quer fazer nas UPPs e comandar o processo de formação de novos policiais, foram nomeados pelo Comando da PM quatro oficiais, os majores Ivan Blaz, responsável pelo Planejamento Operacional; Victor de Souza, pelo Programa de Treinamento de Soldados; Leonardo Nogueira, pelas Técnicas de Aproximação; e Marcelo Corbage, pela Interlocução com os Moradores.

Maré

No Complexo da Maré, região considerada estratégica não somente pela forte presença de traficantes, mas também pela sua proximidade com a Baía de Guanabara, a Linha Vermelha e o Aeroporto Internacional do Galeão, a meta do governo é manter um efetivo de 1,9 mil policiais nas quatro UPPs que serão instaladas. Por enquanto, a ocupação da região está sendo iniciada de forma “suave” pela favela Roquete Pinto e pela Praia de Ramos, área controlada por milicianos e onde será montada a primeira unidade.

Em maio, segundo o cronograma da SSP, a ocupação se estenderá às favelas Nova Holanda, Parque União e Rubens Vaz, onde serão montadas mais duas UPPs. Todas as 16 favelas que compõem o complexo deverão estar ocupadas pela PM até o dia 30 de junho, prazo final estipulado pelas Forças Armadas para abandonarem a Maré: “Não será fácil, assim como não tem sido em nenhuma comunidade. Temos mais uma oportunidade de mostrar que a UPP não é uma política isolada, mas sim uma questão de Estado”, diz José Mariano Beltrame.

Mortes

Em paralelo ao início dos ajustes nas UPPs, três favelas “pacificadas” registraram confrontos envolvendo policiais e traficantes no último fim de semana. No sábado (29), uma tentativa de invasão da favela da Mangueira pelo bando do traficante Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy, resultou em dois policiais feridos (um deles à bala) e quatro supostos traficantes mortos. Na Rocinha, um tiroteio entre traficantes e integrantes do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope) acionados após um ataque contra a UPP terminou com dois policiais e quatro supostos traficantes feridos a bala.

Na Fazendinha, uma das favelas que compõem o Complexo do Alemão, dois policiais da UPP local foram atingidos por tiros. No início do mês, o policial Anderson Fernandes morreu após ser atingido por um tiro de fuzil quando fazia uma patrulha diurna de rotina. Beltrame reuniu delegados, oficiais da PM e especialistas em um grupo de trabalho com o objetivo de investigar as mortes de policiais.