Trote violento

MP espera investigação da Unesp sobre festa que fez alusão à Ku Klux Klan

Segundo Ministério Público, relatório da CPI que apurou denúncias de violência contra os direitos humanos nas universidades de São Paulo ainda está sendo analisado

facebook/reprodução

Unesp cita estudantes do 6° ano: “Roupa foi usada apenas para a abertura do evento, sem qualquer tipo de violência”

São Paulo – O Ministério Público de São Paulo ainda não tem um posicionamento sobre o relatório da CPI das Universidades, da Assembleia Legislativa, apresentado em 10 de março, recebido no dia seguinte. O MP-SP também não tem uma resposta concreta sobre eventual medida para investigar uma festa realizada em 5 de março, para recepcionar os calouros de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, na qual os veteranos aparecem fantasiados com roupas que remetem ao grupo racista norte-americano Ku Klux Klan (KKK). Por meio de sua assessoria de comunicação, o MP-SP disse que espera as apurações internas da Unesp para eventualmente tomar alguma medida a respeito da festa que utilizou símbolos da KKK.

A festa de Botucatu, intitulada “Batizado da Medicina”, foi realizada pela turma do sexto ano, que divulgou no início da semana nota na qual afirma que os trajes não fazem alusão racista. “Esse evento é realizado anualmente, sendo que o 6° ano vigente é responsável por elaborar uma fantasia para a festa, sempre de caráter misterioso. No caso referente a nossa turma, o tema da fantasia escolhido foi de ‘Carrasco’”, justificou.

Sobre o relatório da CPI, a assessoria do MP-SP informou que cópias do documento foram encaminhadas a três promotorias: dos Direitos Humanos, do Patrimônio Público (para apurar eventual irregularidade na cessão de espaços públicos, pelas universidades, a entidades como diretórios acadêmicos e atléticas) e de Justiça Criminal (para apurar eventual prática de crimes). O órgão informa que o documento está sendo analisado.

A notícia e as fotos obscurantistas da festa da Medicina de Botucatu, divulgadas no início da semana, chocaram setores ligados aos direitos humanos. “Eu sempre falei que a Medicina de Botucatu era o maior centro de tortura das faculdades de Medicina”, diz o ex-deputado Adriano Diogo, ex-presidente da CPI das universidades.

Para ele, mesmo com a repercussão das denúncias sobre violências de todo tipo e graves violações dos direitos humanos, consideradas tortura, tornadas públicas na CPI, não há nada de novo que aponte para mudanças positivas no cenário. “Não posso responder pelo futuro, mas não há notícias boas. As instituições continuam protegendo os trotistas. Acho que tem uma tendência muito grande ao acomodamento.”

Para o professor de Ciências Sociais Antonio Ribeiro de Almeida Junior, da Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz (Esalq, da USP), embora a comissão da Assembleia tenha sido fundamental, ela não terá resultados concretos se as autoridades não agirem. “A CPI fez um trabalho brilhante, com uma coleta de dados como nunca houve no Brasil, mas a CPI em si não pode resolver os problemas. É preciso que o Ministério Público, a polícia, o governo do estado e as universidades tomem medidas e que a população demonstre que não quer nada disso”, afirma Almeida, autor do livro Anatomia do Trote Universitário (editora Saraiva).

Ele acredita que, para a CPI “se tornar efetivamente um divisor de águas”, é preciso mudar a cultura de violência, não apenas com punição, mas também com conscientização e educação. Na sua opinião, o caso de Botucatu pode ser esclarecido se as autoridades fizerem investigação séria. “Nas fotos que circularam sobre esse evento, existem pessoas e alunos ajoelhados claramente identificáveis. Não acredito que seja difícil para a universidade identificar os organizadores do evento. Precisa haver uma investigação e a responsabilização disso, com suspensão, expulsão, dependendo da responsabilidade de cada um”, defende.

Almeida diz ainda não ter visto “uma resposta à altura” por parte das universidades ao problema do trote violento depois dos trabalhos da CPI. “O reitor da USP, por exemplo, falou da criação de uma Comissão de Direitos Humanos, outros apontaram outras medidas, mas não são respostas à altura de uma situação tão grave.” Segundo o professor, a CPI presidida por Adriano Diogo demonstrou que os grupos que patrocinam trotes e festas onde ocorrem as violências “não são gerenciados somente por alunos da graduação, mas têm interferência de ex-alunos e às vezes de docentes: existe um enraizamento e isso precisa ser exposto e coibido”.

Nota da Unesp

Em resposta a questionamento da reportagem, a Faculdade de Medicina da Unesp (campus de Botucatu) informou que a instituição promoveu nesta quarta-feira (1º de abril) uma reunião extraordinária “com o objetivo de iniciar uma apuração sobre supostos excessos” cometidos durante a festa “Batizado da Medicina”.

Na nota, a instituição dá a versão dos estudantes do sexto ano e minimiza a gravidade da alusão à seita racista. “Segundo os estudantes, o objetivo era desmistificar o trote, já que a roupa foi usada apenas para a abertura do evento, sendo logo retirada para que tivesse início à integração entre as turmas, sem qualquer tipo de violência.”

Ainda segundo a nota, uma das fotos da festa publicadas na página oficial da turma no Facebook “foi alvo de uma montagem em que foi posicionada lado a lado com uma imagem de um ritual da organização Ku Klux Klan”. Diz também que a “montagem” acabou “induzindo os internautas a associarem, equivocadamente, a recepção dos alunos da Unesp à seita”. Apesar disso, a Congregação da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu (órgão colegiado máximo da faculdade de Botucatu) “deliberou pela criação de um grupo, a ser instalado nesta quinta-feira, 2 de abril, formado por professores, alunos e funcionários, para realizar um levantamento preliminar ouvindo alunos do 1º e 6º ano que estiveram presentes na festa”.

A Unesp promete que, “caso seja recebida alguma denúncia, será criada uma Comissão de Sindicância para que sejam aplicadas as eventuais punições cabíveis”.

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