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Para Adriano Diogo, Ministério Público deve dar continuidade à CPI das Universidades

Presidente da comissão diz ainda ser preciso elevar o trote à categoria de tortura e dotar as sindicâncias internas das universidades, que apuram casos de violência, de um status coerente com sua importância

José A. Teixeira/Agência Alesp

Adriano Diogo: “Essas festas não têm justificativa numa sociedade civilizada”

São Paulo – Após a leitura do relatório da CPI das Universidades hoje (10), na Assembleia Legislativa de São Paulo, o presidente da comissão, deputado Adriano Diogo (PT), disse que a investigação desenvolvida em 40 sessões, que ouviu mais de 100 depoentes, está apenas no começo. “Se a CPI fosse um livro, ela não teria saído do índice. Talvez os capítulos tenham que ser escritos. O Ministério Público é uma ‘nova CPI’”, afirmou à imprensa. O parlamentar ressaltou que o trabalho que presidiu teve o mérito de levantar “todos os indícios” e que “a parte inicial está pronta”.

Diogo destacou cinco pontos que considera fundamentais no desenvolvimento da CPI desde dezembro, e que estão presentes expressa ou implicitamente no relatório do deputado Ulysses Tassinari. O primeiro ponto é elevar o trote à categoria de tortura. Em segundo lugar, é preciso dotar as sindicâncias internas das universidades, que apuram casos de violência, de um status coerente com sua importância. Segundo Diogo, as sindicâncias internas das universidades “só premiam os agressores e opressores, e as vítimas são criminalizadas”. Ele chama a atenção para o fato de que as meninas, muitas vezes vítimas de estupro, sempre são colocadas numa posição em que “aparecem como culpadas”. As investigações internas das universidades têm de ser sérias para ter valor jurídico.

O terceiro ponto, segundo o presidente da CPI,  são as “festas open”, nas quais se promovem “barbaridades”, jovens alunos são humilhados, obrigados a beber até o insuportável e onde meninas são vítimas de violência sexual. “Essas festas não têm justificativa numa sociedade civilizada”, declarou Diogo. O roteiro de atração de meninas a boates e danceterias deve ser coibido. Segundo a tradição, se as jovens forem vestidas a esses locais com roupas sumárias têm direito a bebida de graça, camarotes e outros “benefícios”.

O relatório da CPI sugere a necessidade de promover, pelos órgãos competentes, a responsabilização civil, penal e administrativa de pessoas físicas que, por ação ou omissão, promoveram atos vinculados à violação de direitos humanos.

O quinto ponto é um dos problemas mais graves e diz respeito ao que o deputado chama de “teoria do esgoto”, adotado pelas direções das universidades. “O que acontece da porta para fora do campus, eles não têm responsabilidade. É preciso que se aprove um estatuto como em Coimbra, Portugal, onde as repúblicas são um prolongamento do campus.”

No caso das violências ocorridas nas universidades investigadas pela CPI da Assembleia Legislativa, os representantes das instituições se eximem de responsabilidades por situações, festas, eventos e atos de violência que ocorrem fora dos campi, como chácaras e repúblicas.

Lei federal

Uma das principais conclusões da CPI é que o trote seja enquadrado em crime de tortura, o que, no entanto, depende de uma lei federal. O relatório da CPI recomenda que seja enviada uma moção ao Congresso Nacional pedindo a criação de um projeto de lei com esse fim. “Mas a lei federal, que é a coisa mais importante, não exclui a possibilidade de fazer leis estaduais. Para proibir festas open ou patrocínio das fábricas de bebida não precisa de legislação federal. Uma simples legislação estadual daria conta. O prolongamento do campus para as chácaras e sítios, no caso de atividades acadêmicas com responsabilidade das direções, também”, defendeu Diogo.

O relatório do deputado Ulysses Tassinari inclui a proposta de dois projetos de lei. Um para proibir o patrocínio de eventos estudantis por empresas fabricantes e que comercializem ou distribuam bebidas alcoólicas. Outro para criar o Cadastro de Antecedentes Universitários no estado de São Paulo, no qual seriam inseridos os nomes de alunos que participem de trotes e atos violentos.

Na opinião de Adriano Diogo, o cadastro não teria o objetivo apenas de punir, mas de trazer à luz informações relevantes para a formação de profissionais e de uma sociedade melhores. “Os trotistas são vistos como os filhos do silêncio, da cumplicidade. Os trotistas são os futuros dirigentes. Vão ser aprovados nas melhores vagas da residência médica, vão ser promovidos nas escolas de engenharia, vão ter seus currículos para que as grandes empresas os contratem. São filhos do silêncio criminoso.”

Para o deputado, o governo federal também se omite em relação ao grave problema dos trotes. “Acho que deveria haver um pronunciamento do ministro da Educação no início das aulas dizendo que o ciclo trotista não faz parte da prática acadêmica”, disse. A CPI constatou também a falta de órgãos estaduais ou federais de proteção às vítimas de trotes. Não existe nenhuma ouvidoria ou secretaria no estado de São Paulo à qual as vítimas possam se reportar.

O presidente da CPI ressalva que todas as recomendações e propostas tiradas da CPI não têm a intenção de “proibir o movimento estudantil, punir as atléticas, a convivência”, mas acabar com a tortura. “Nenhum torturador, que é treinado para ser torturador na escola, pode ascender na carreira sem que apareça no currículo que ele participou de atividade de tortura. E como tortura não prescreve, é como nos crimes da ditadura: torturador tem que ficar marcado pelo resto da vida, porque já chegam as marcas que deixaram nos seus torturados.”

Papa Francisco

O relatório da CPI recomenda o envio das suas conclusões ao Ministério Público do Estado e Ministério Público Federal, ao Congresso Nacional, à Presidência da República e órgãos do Judiciário.

Recomenda também o encaminhamento de cópia ao papa Francisco, “que tem se mostrado um dos maiores defensores dos direitos humanos na estrutura da igreja católica”. O relatório de Tassinari justifica a medida “pelo fato de esta CPI ter apurado gravíssimas violações dos direitos humanos perpetradas nas faculdades de Medicina e cursos superiores das principais universidades católicas vinculadas à cúria: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pontifícia Universidade Católica de Campinas”.

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