Seca em SP

Agência paulista tenta implicar governo federal na aplicação de multa por ‘excesso’ de consumo

Idec considera frágeis os argumentos da Arsesp para a sobretaxa e diz que governo Alckmin 'só vem fazendo coisa errada na gestão da crise'

Vagner Campos/A2 Fotografia

Volume de água do Sistema Cantareira chegou a 6,7% hoje (22), já considerando a 2ª cota do volume morto

São Paulo – Para escapar do ônus de decretar o racionamento de água em São Paulo, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) tenta passar para o governo federal parte das justificativas para aplicar multas a quem aumentar o consumo de água na região metropolitana da capital paulista, a partir de janeiro. A decretação de racionamento é necessária para justificar a penalização de consumidores que excedam a média de consumo de água, anunciada por Alckmin na última quinta-feira (17).

Segundo o parecer técnico da consultoria jurídica da Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo (Arsesp) – divulgado na última sexta-feira (19) –, de maio deste ano, a Agência Nacional de Águas (ANA) determinou ao governo paulista a redução da captação bruta de água das represas do Sistema Cantareira, numa decisão em conjunto com o Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee, estadual).

Com isso o governo estadual ficaria livre da necessidade de decretar o racionamento já que, pelo parecer técnico da Arsesp, a medida estaria dada em consequência de uma decisão tomada no âmbito do governo federal, em parceria com a agência reguladora estadual.

O artigo 46, da Lei Federal 11.445/2007 define que “em situação crítica de escassez ou contaminação de recursos hídricos que obrigue à adoção de racionamento, declarada pela autoridade gestora de recursos hídricos, o ente regulador poderá adotar mecanismos tarifários de contingência, com objetivo de cobrir custos adicionais decorrentes, garantindo o equilíbrio financeiro da prestação do serviço e a gestão da demanda”.

Assim, mesmo sem declarar oficialmente racionamento, Alckmin pode aplicar a multa de 20% sobre o valor da conta de água, para quem aumentar até 20% o consumo, e de até 50% para quem consumir mais que isso. A média de referência é calculada entre os meses de fevereiro de 2013 e janeiro de 2014.  Cerca de 17 milhões de moradores da grande São Paulo poderão ser penalizados.

Para o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu de Oliveira, a argumentação é frágil. “A medida proposta valeria para toda a região metropolitana e a capital paulista. Mas as resoluções conjuntas da ANA e do Daee valem somente para o Sistema Cantareira, pois as águas dos demais reservatórios são de competência exclusivamente estadual”, afirmou.

As represas Billings (Sistema Rio Grande), Guarapiranga, Alto Tietê e Alto Cotia deveriam estar, portanto, excluídas da norma até que o governo Alckmin decretasse racionamento. O que tiraria cerca de 10 milhões de pessoas do risco de punição.

No caso destes reservatórios, o Daee em nenhum momento determinou a redução da retirada de água. No caso de Billings, Alto Tietê e Guarapiranga, até aumentou ao longo deste ano.

Outro ponto levantado pelo gerente do Idec é que a gestão de água por ANA e Daee é um procedimento comum, com reduções e aumentos de vazão determinados cotidianamente. “Se a regulação de vazões pode ser considerada como racionamento cabe perguntar porque o governador só resolveu instituir a sobretaxa agora, no fim do ano, e não em maio, por exemplo”, ponderou Oliveira.

Segundo o governador, a medida levaria a uma redução no consumo de aproximadamente 2,5 mil litros de água por segundo. “Seria o equivalente ao abastecimento de 700 mil famílias”, disse o governador.

A sobretaxa – como é chamada pelo tucano – foi questionada até pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, que a considera ilegal. No entanto, a base do questionamento está na aplicação da Lei Federal 11.445/2007, que o parecer técnico da Arsesp procurar deslegitimar. A RBA não conseguiu contatar a OAB na tarde de hoje (22).

A RBA também procurou a ANA para comentar o assunto, mas a agência declarou-se “surpresa” com o conteúdo do parecer técnico e ainda não havia se manifestado.

Pra ninguém

A Arsesp marcou para a próxima segunda-feira, 29 de dezembro, às 9h30, a única audiência pública que será realizada para “apresentar e discutir” a aplicação de multa sobre o aumento no consumo médio de água na região metropolitana de São Paulo. Não está prevista mudança na implementação da medida, apenas adequações, já que a minuta de deliberação da agência a considera como aprovada. Quem quiser se manifestar durante a audiência pública deve preencher uma ficha de inscrição no site da Arsesp.

Na minuta da deliberação da agência reguladora está prevista vagamente a possibilidade de a população recorrer da aplicação da multa e que a Sabesp deve tornar público mensalmente o valor arrecadado com a medida e deverão ser utilizados para “cobrir, parcial ou totalmente, custos adicionais decorrentes da situação de escassez”.

A realização de uma única audiência, na antevéspera do ano novo é considerada “absurda” pelo gerente do Idec. “Este é um momento em que as pessoas estão se preparando para as festividades, estão viajando. A medida é complexa, demanda participação da sociedade e o governo quer aplicá-la sem o devido debate, sob alegação de que a situação é alarmante. Mas isso já se sabia em março deste ano. Por que a pressa agora?”, questiona.

Para ele, a medida devia ser antecedida de ampla campanha nos meios de comunicação e de decretação de racionamento pelo governo Alckmin. “A população quer que o governo tome atitudes quanto à crise hídrica. Isso daria até legitimidade para aplicar a medida. Mas até agora o governo só vem fazendo coisa errada na gestão da crise”, concluiu.

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