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Entre idas e vindas da prefeitura de SP, destino da favela do Moinho segue incerto

Após 25 meses da primeira promessa de urbanização, a comunidade vai se organizando por conta própria, enfrentando fiscalização e multas nos comércios locais, além de intimidação policial

Em parceria com a Fundação Bienal, os moradores estão construindo um campo de futebol e canteiros <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>A Praça Vermelha foi feita pelos moradores, para lazer infantil e projeção de filmes <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>A área do campo será toda gramada e o entorno pavimentado, para melhorar a situação quando chove <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>A professora Cobra não vê dificuldade em acessar a comunidade, desde que com respeito <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Alessandra diz que a comunidade quer que a prefeitura comece a agir e não ficar só conversando <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Os moradores têm feito mutirões para realizar as ações mais urgentes e cumprir as metas de parcerias <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Entre as ações coletivas está a derrubada do muro, realizada em maio deste ano para reduzir o risco com incêndios <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Jorge Santana considerou absurda a fiscalização e a multa dos comerciantes do bairro <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Nelmi considera que as dificuldade de chegar na comunidade ficaram para trás <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Apesar das alegações da prefeitura, os serviços, como TV por assinatura, chegam na comunidade sem problema <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Moradores querem que Haddad visite e converse com a comunidade, como fez no período eleitoral de 2012 <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>

São Paulo – Os moradores da favela do Moinho, no bairro do Bom Retiro, região central da capital paulista, ainda aguardam uma posição da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) sobre o projeto de urbanização e regularização fundiária do local ou sobre os conjuntos habitacionais que receberiam as famílias da comunidade. Passados dois anos e três meses da visita e da promessa do então candidato a prefeito, o pouco já realizado – construção de uma praça, derrubada de um muro e obras para implementação de um campo de futebol – foi por iniciativa e obra dos próprios moradores.

Segundo a líder comunitária Alessandra Moja Cunha, a comunidade está cansada das “idas e vindas” das negociações e quer que a prefeitura apresente propostas e um cronograma de ações. “Queremos que seja feito o que foi prometido. Os diálogos ficam indo e vindo, começa uma rodada de negociação, para tudo e depois começa outra. A gente já cansou disso. Tem que pôr a mão na massa”, afirmou.

O último contato do executivo municipal com a comunidade se deu por e-mail, em 17 de setembro deste ano, informando que era preciso um “documento de comprometimento da comunidade” para a realização das obras de infraestrutura e a liberação da área para entrada dos funcionários da Secretaria da Habitação (Sehab), da AES Eletropaulo (concessionária de energia) e da Sabesp (estatal de saneamento), além de “liberação para demolição dos barracos que estiverem em frente de obra, após vistoria a ser realizada por cada órgão”.

Os moradores responderam em 19 de outubro, após a realização de uma assembleia. Eles se propuseram a assinar um documento, cujos termos deveriam ser discutidos em nova reunião na comunidade, com a presença dos técnicos responsáveis pelas obras de infraestrutura no local, “em dia e hora sugeridos pela Sehab”, diz o e-mail de resposta. A secretaria não retornou mais.

Mas a relação entre a gestão Haddad e os moradores é bem mais antiga. Em 19 setembro de 2012, o então candidato esteve na comunidade após o incêndio que destruiu 80 moradias e deixou 300 pessoas desabrigadas, no dia 17 daquele mês. Ele conversou com os moradores e depois gravou um programa eleitoral no local, afirmando que ia “trabalhar muito para regularizar a situação deste terreno, dar a vocês a propriedade que é de direito de vocês”.

Haddad disse ainda, no mesmo programa, que “o papel da prefeitura é trabalhar duro para ajudar as pessoas na regularização fundiária, na construção de moradias e na urbanização da comunidade”.

Em 5 de julho de 2013, os moradores realizaram uma manifestação na prefeitura reivindicando que Haddad cumprisse as promessas. Desde então eles tiveram duas reuniões com o prefeito e outras dezenas de reuniões com representantes da Secretaria da Habitação (Sehab), da Subprefeitura da Sé, da AES Eletropaulo (concessionária de energia) e da Sabesp (estatal de saneamento). Mas até agora nada foi efetivado.

Os moradores mantêm as mesmas reivindicações desde 2012, quando Haddad visitou o local: regulação fundiária, urbanização participativa da comunidade, efetivação dos serviços de água encanada, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo, construção de área de lazer na área atingida pelo incêndio, equipamentos de combate a chamas e derrubada do muro que foi construído após o incêndio de dezembro 2011 – quando 1200 pessoas ficaram desabrigadas e duas pessoas morreram –, para garantir uma rota de fuga em caso de novo incidente.

Hoje, cerca de 600 famílias recebem auxílio aluguel, vivendo fora da comunidade. Outras 500 permanecem no local.

O muro acabou derrubado pelos próprios moradores em agosto do ano passado, pois mesmo com decisão da Justiça em março daquele ano, a prefeitura não realizou a demolição. A associação segurarou durante seis meses a reocupação do local, mas agora está complicado. “Havia um acordo para não ocupar de qualquer jeito. Queríamos fazer junto com o poder público, organizado, para evitar o risco de novos incêndios. Mas a vida aqui é muito dinâmica”, explicou Alessandra. Algumas famílias já estão vivendo no local.

Hoje, a água obtida por meio de alguns encanamentos, mas não há nenhum registro nos barracos. E os canos chegam somente a uma parte da comunidade. A energia elétrica chega por cabos “oficiais”, mas a distribuição nas moradias é feita com ligações dos próprios moradores, com fios diversos e grandes emaranhados de ligações. A comunidade também recebeu oito extintores e algumas roupas de combate a incêndio.

“Nós cumprimos todos os passos até aqui. Participamos das reuniões, criamos grupos, fizemos propostas, organizamos assembleias para os representantes do poder público virem aqui falar com a comunidade. Mas sempre acontece alguma coisa, o canal fecha, depois reabre e começamos de novo”, explicou Alessandra.

Versões da divergência

Em um seminário na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), o prefeito afirmou que tem interesse em levar água e energia regularmente para a favela do Moinho, mas que “não foi nem uma nem duas vezes que as pessoas foram expulsas de lá por tentarem intervir na favela para dar condições de habitabilidade”. Segundo o prefeito, há indícios de influência de traficantes de drogas e de um racha entre os moradores, que dificulta as negociações na comunidade.

Já a Sehab, que em maio de 2013 informou por meio de nota emitida para a Agência Pública que “a ideia é erradicar a favela e atender com unidades habitacionais definitivas todos os moradores da área”, emitiu novo documento reafirmando a manutenção do diálogo e o objetivo de “encontrar uma solução justa e que atenda a legislação vigente”.

Segundo Alessandra, ninguém foi expulso da comunidade ao realizar ações acordadas entre eles e a prefeitura. Ela também rechaça a ideia de que há um racha ou outras influências. “O que tem ocorrido é a Associação de Moradores está perdendo credibilidade com essa situação. Abre negociação, chama assembleia, faz acordo e nada acontece. A população está desacreditando”, disse a liderança.

No dia que a RBA visitou a comunidade um veículo da Sabesp estava no local auxiliando a reparação de um encanamento rompido. “Se fosse tão difícil entrar na favela você acha que ele estaria aqui?”, questionou a liderança.

Na comunidade funcionam atualmente diversas atividades culturais. A associação e alguns parceiros conseguiram apoio da Fundação Bienal para um projeto de construção de um campo de futebol e canteiros. Com apoio da Secretaria Municipal da Cultura, através do Programa de Valorização para iniciativas Culturais (VAI), está sendo realizado um projeto de projeção de filmes e oficina de cinema.

Capoeirista, Nádila Martins, de 26 anos, a professora Cobra, dá aulas para adultos e crianças na favela do Moinho há seis meses. “A comunidade é acolhedora. Desde que role respeito mútuo não vejo qual pode ser a dificuldade em fazer as tais negociações”, comentou

A representante da Associação Aliança de Misericórdia, Nelmi Oliveira Peres, 35 anos, realiza trabalho evangelizador e educacional na comunidade desde 2005. “Naquele tempo vivíamos uma realidade bem mais difícil, inclusive na relação com quem vinha de fora. Hoje as coisas melhoraram muito”, afirmou. A entidade mantém uma creche que atende 109 crianças até 4 anos e um centro que recebe 94 crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos, exclusivos para atender a favela do Moinho.

Tensão

Desde o ano passado diversas situações consideradas absurdas pelos moradores passaram a ocorrer, ao mesmo tempo que as negociações não avançam. Moradores que mantêm pequenos comércios em suas casas foram notificados e alguns até multados pela prefeitura por não ter alvará de funcionamento.

“Se querem cobrar legalidade, que regularize a nossa situação como o prefeito prometeu. Ele só lembrou da gente na eleição”, protestou Jorge de Santana, 45 anos, que tem um bar onde vende bebidas, doces e itens diversos. Ele recebeu uma multa de R$ 120, mas se recusou a pagar. “Isso aqui é o meu ganha pão. Aqui não tem nada regular, como podem fazer isso?”, questionou.

Outro caso foi a prisão sem justificativa de Alessandra. Ela foi abordada por dois policiais a paisana que se disseram assistentes sociais e a levaram para 77ª Delegacia Policial, no bairro de Santa Cecília. Mas no local não havia qualquer acusação contra ela. “Eles se nagavam a reconhecer que houve um abuso, mas com apoio da Defensoria Pública conseguimos um comprovante de que fui detida sem motivo. É claro que foi uma intimidação”, avaliou a liderança.

A área onde está a favela do Moinho é alvo de disputa judicial entre os moradores, os donos e a prefeitura da capital. Na gestão de Gilberto Kassab (PSD, 2006-2012), o executivo municipal ingressou com uma ação para comprar o terreno dos dois particulares. A compra levaria à desapropriação do terreno e a comunidade seria removida.

Em 2008, a Associação de Moradores da favela do Moinho ingressou na Justiça com uma ação coletiva de usucapião, com apoio jurídico do Escritório Modelo da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Em abril do mesmo ano, o juiz federal José Marcos Lunardelli decidiu favoravelmente aos moradores, assegurando a posse do terreno até o julgamento final da ação, que ainda não tem data para ocorrer.

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