Preconceito

Crescente desde 2010, discurso de ódio ao PT expõe racismo contra nordestinos

Comentários racistas contra nordestinos têm sido recorrentes nas redes sociais no período de eleições. Desqualificação de voto no PT é associada a falta de informação sobre o Bolsa Família

Dario Guimarães Neto/ EFE

A candidata à reeleição Dilma Rousseff ganhou em quase todos os estados do nordeste no segundo turno

São Paulo – Em 2010, após o resultado das eleições que elegeram a então candidata Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República, as redes sociais foram tomadas por ofensas e discursos de ódio contra nordestinos. À época, a estudante paulista Mayara Petruso, que ganhou visibilidade na internet por fazer comentários ofensivos a pessoas de origem nordestina que moram em São Paulo, foi condenada pela 9ª Vara Federal Criminal do estado. A sentença da juíza Mônica Aparecida Bonavina Camargo fixou 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão por incitação à violência, mas a pena foi convertida para multa (de R$ 500) e prestação de serviços comunitários.

Logo após a confirmação da vitória de Dilma sobre o adversário tucano José Serra, Mayara chegou a publicar no seu perfil do Twitter: “Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a Sp: mate um nordestino afogado”. Foi uma reação à vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais – para ela, o resultado deveu-se à votação no Nordeste.

No entanto o passado recente parece não ter produzido tantos efeitos em boa parte do eleitorado hoje, pois o cenário de ódio contra nordestinos se repete em 2014, motivado pela passagem da candidata do PT para o segundo turno da disputa presidencial, em que concorre contra Aécio Neves (PSDB).

Os “argumentos” são os mesmos: nordestinos são “pobres” e “ignorantes”, por isso não sabem votar, só votam no PT porque recebem o Bolsa Família, entre outros mitos ofensivos. Em 2010 e no primeiro turno de 2014, a candidata petista ganhou em quase todos os estados da região nordeste. Neste ano, só não ficou na frente em Pernambuco, terra de Eduardo Campos, onde Marina Silva (PSB) teve a maioria das votos.

O tumblr Esses Nordestinos reúne alguns dos discursos de ódio proferidos nas redes sociais como forma de expor o problema e denunciar. Mensagens racistas, com ameaças e estímulo à violência, são postadas em grande quantidade.

“Eleição devia ser feita só no sul e no sudeste”, “Dilma só ganha voto por povo burro no nordeste”, “Vagabundo, bandido e bolsa família… Tem em todo lugar. Qto mais pra cima do mapa, o número vai se multiplicando ainda mais”, são algumas das mensagens.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também recebeu críticas pelo comentário que fez nestas eleições sobre o eleitorado petista. “O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados”, afirmou em entrevista recente ao portal UOL.

O discurso de ódio de parte do eleitorado tucano reproduz não apenas preconceito contra nordestinos, mas também contra pobres e negros. “é isso aì (sic), pobres e negros que votem no PT, agora com Marina fora do jogo nao (sic) necessitamos de votos de miseraveis (sic), queremos votos de pessoas de qualidade (sic). Negros e favelados que se fodam!!”, brada uma eleitora em uma rede social. E completa com ofensas a Marina: “e a Marina Silva é uma negra vagabunda e morta de fome, nunca uma mulher como vc pra presidente, o Brasil é uma comedia (sic) com uma pessoa como vc para candidata, nao (sic) necessitamos seu apoio (sic). Aécio para Presidente (sic).”

Samuel Miranda Arruda, procurador da República e integrante do Núcleo Criminal do Ministério Público Federal (MPF) no Ceará, acredita que esses comportamentos não são isolados, “são fatos que ocorrem com certa frequência”. Contudo ele afirma que, nas eleições, “os ânimos ficam mais acirrados.”

facebook
Chico César vê tendência, nesse período, de apontar o opositor como um mal a ser vencido

Já para o secretário estadual de Cultura da Paraíba e músico Chico César, “falas infelizes” como a de FHC são isoladas. “As eleições são o ápice da luta de classes e dos grupos que enfrentam-se cotidianamente, do transbordamento das expectativas e frustrações, do encantamento e da expressão do ódio ao outro até o desejo do aniquilamento.”

O artista vê uma tendência, nesse período, de “apontar o outro como o mal a ser vencido” e isso pode afastar as pessoas da racionalidade e “abraçar a mistificação”.

“A eleição de Lula mudou muito a trilha que vinha sendo seguida há séculos e agora tenta-se, mais uma vez, recolocar a história do Brasil no trilho que vinha sendo seguido há 500 anos, com os pobres catando as migalhas que caem da mesa dos ricos e seus cães recusam”, analisa Chico César.

No período de eleições, questões como o preconceito contra nordestinos podem ser importantes na decisão de voto de algumas pessoas. “Depende da midiatização que possa ser feita do tema”, explica.

O procurador Samuel Miranda não tem a mesma percepção. Ele acredita que falas como a de FHC não interferem na “opinião média”.

O cientista político Paulo Vannuchi, em comentário na Rádio Brasil Atual, aponta “dois erros gravíssimos” da campanha tucana, ambos relacionados a discursos de ódio contra nordestinos. O primeiro seria o conjunto de declarações de comunidades de médicos nas redes sociais, que estimulam o preconceito contra nordestinos. O segundo, a fala do ex-presidente Fernando Henrique.

O tumblr Médicos Indelicados reúne postagens de um grupo fechado do Facebook, chamado “Dignidade Médica”, no qual são feitos inúmeros comentários preconceituosos, com relatos de ameaça a eleitores petistas, principalmente a funcionárias, como enfermeiras e empregadas domésticas.

Denúncias

Segundo a Safernet, associação civil que recebe e encaminha denúncias de crimes na internet, 383.372 mil denúncias de racismo foram feitas no mundo todo, de 2006 a 2013, sendo 13.342 no Brasil.

O procurador Samuel Miranda de Arruda afirma que se preocupa em fazer uma avaliação muito rigorosa das denúncias de discurso de ódio que recebe, pois nem todas as falas se enquadram no crime de racismo, injúria racial ou incitação ao ódio. “Tem que ter a presença e essa intenção de menosprezar, diminuir, discriminar essa categoria toda’, diz. “Um comentário, às vezes, não configura esse delito. Tem que ter cuidado pra não vulgarizar essa criminalização.”

Samuel explica que, em alguns casos, também existe dificuldade de identificar a pessoa que publicou um discurso de ódio por ter usado computador público ou um e-mail falso, por exemplo. “Praticadas pela internet, muitas vezes a investigação é um pouco mais complicada, porque as pessoas sabem que essa conduta é criminosa e procuram se ocultar.”

O procurador disse não lembrar de nenhuma condenação no MPF do Ceará e contou que, durante o primeiro turno das eleições, recebeu denúncias de oito pessoas – lembrando que uma pessoa pode fazer mais de uma denúncia. Elas estão em análise com outros procuradores e, caso se enquadrem em algum crime, irão para identificação da autoria.

Porém casos de discursos racistas e preconceituosas não se limitam ao mundo virtual. “A internet só reproduz o que está latente na sociedade”, ressalta o procurador. “As pessoas talvez tenham certo pudor de explicitamente revelar isso e a internet dá aquela segurança de um suposto anonimato, suposta impunidade. Dá vazão ao sentimento que essa pequena parcela da população nutre.”

Dessa vez, Chico César corrobora a visão do procurador. “A internet é terra de ninguém e o anonimato anima os covardes.” O músico ainda lembra que o preconceito atinge a todos, até mesmo agressores. “Afinal, há nordestinos, negros, pobres e mulheres entre os skinheads, os neonazistas carecas. É contraditório, mas é assim.”

Outro exemplo recente é de um imigrante negro africano da Guiné com suspeita de ebola que chegou ao Brasil há poucas semanas. Tão logo a identidade dele foi veiculada de forma irresponsável por veículos de comunicação, o homem começou a receber mensagens e ameaças no seu perfil do Facebook.

O procurador acredita que esses casos são resultados de “ignorância”.  “Acho que só com educação a gente vai conseguir superar esse tipo de raciocínio”, enfatiza Samuel.

Chico César faz um pedido para a semana final das eleições: “Desejo que as pessoas votem por justiça, não por justiçamento. Desejo que, ao votar, as pessoas ponderem sobre justiça social e levem em consideração que a balança da justiça não pode pender só para um lado e que sua espada não aponte somente para o peito de alguns.”

O músico ressalta a importância de uma visão menos egoísta, “É importante as pessoas saberem que não vão poder dormir sossegadas se todas as outras não puderem sonhar.”

Bolsa Família

Uma das falas mais ofensivas e de ataques a pobres e nordestinos espalhada pelas redes sociais vem carregada de desinformação sobre o programa social do governo federal Bolsa Família, apelidado, nos discursos racistas, de “Bolsa Esmola.”

A disseminação de preconceito não leva em consideração que só podem receber o benefício famílias que possuem renda mensal entre R$ 70 e R$ 140 por pessoa, se tiverem crianças ou adolescentes de até 17 anos e grupo familiar com renda mensal de até R$ 70 por pessoas, independentemente da idade dos membros.

São impostas uma série de condições às famílias beneficiárias, como o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. Todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados e com frequência escolar mensal mínima de 85%, e estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência mínima de 75%; entre outras.

Famílias em situação de extrema pobreza podem acumular os dois tipos de benefícios, básico e variável, e receber, no máximo, R$ 252 por mês. Todas as informações estão disponíveis no site do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Dados do governo federal mostram que 1,6 milhão de famílias abriram mão do benefício, número que equivale a 12% dos beneficiários. As famílias saíram espontaneamente por declarar que estavam com renda familiar superior ao limite de R$ 140 mensais por pessoa.

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