Riscos

Aécio quer rever Plano de Direitos Humanos com Congresso de perfil conservador

Tucano anuncia intenção por meio de redes sociais junto com a ideia de criminalizar a homofobia, que em seguida foi apagada, a exemplo do que ocorreu com Marina. Militantes veem desconhecimento do tema

Orlando Brito/ Flickr Aécio Neves Presidente

Propostas pró-LGBT foram publicadas e apagadas da página do candidato, que conta com apoio de conservadores

São Paulo – No último domingo (19), o candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB) publicou em seu perfil no Facebook uma série de “slides” com suas propostas para gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais, travestis e demais públicos reconhecidos sob a sigla LGBT. As ideias incluíam criminalização da homofobia e regularização da adoção por casais de mesmo sexo. Uma delas chamava a atenção: “Aécio quer elaborar o 4º Plano Nacional de Direitos Humanos, para aperfeiçoar as políticas públicas, em especial os setores mais vulneráveis”.

Essa promessa de campanha, no entanto, esconde uma possibilidade perigosa: o plano, que versa sobre critérios e metas de políticas públicas federais de direitos humanos para toda a população, precisa passar por discussão no Congresso Nacional, onde foi eleito o conjunto de deputados e senadores de perfil mais conservador desde a redemocratização.

O candidato, portanto, ainda que tenha professado boas intenções à comunidade LGBT ao anunciar a revisão do PNDH, cria, na verdade, uma oportunidade que as bancadas evangélica, ruralista e “da bala” esperam desde 2009: montar um novo plano, alinhado com suas concepções de problemas como o preconceito, a violência policial, os direitos de negros e mulheres, além da própria questão LGBT, sempre na mira das bancadas conservadoras.

Hoje (21), no entanto, todas as questões ficaram sem resposta. As propostas, que seguiam online até a noite de segunda-feira (20), ao que tudo indica, foram retiradas do ar. A RBA procurou os comitês de campanha de Aécio em São Paulo, Minas Gerais e Brasília, mas não obteve resposta sobre as propostas para o público LGBT. A reportagem falou ainda com Xico Graziano, um dos coordenadores de redes sociais da campanha do tucano, mas ele também informou não ter conhecimento de material sendo removido dos sites tucanos.

O episódio lembrou o recuo de Marina Silva, candidata do PSB que declarou apoio a Aécio no segundo turno. O programa de Marina, inicialmente, apresentava pautas pró-LGBT de grande importância, como a criminalização da homofobia e a defesa do casamento gay. Mas, após alguns tuítes do pastor Silas Malafaia com críticas ao programa, a versão foi retirada do ar. A candidata afirmou que a alteração foi feita por uma “falha processual de editoração”. Silas Malafaia agora apoia Aécio, assim como o deputado federal Marco Feliciano (PSC), que causou polêmica ao conduzir uma gestão conservadora à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, e outras lideranças conservadoras que orbitavam as candidaturas de Marina Silva e Pastor Everaldo (PSC).

O advogado e ex-presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos Marco Antônio Rodrigues Barbosa considera “pior” o fato das publicações serem excluídas, pois a falta de clareza em relação às propostas dificulta para saber “o que vem por aí” caso o candidato seja eleito.

Carlos Magno Silva Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e integrante da comissão de monitoramento do PNDH, afirma que a postura do candidato mostra desconhecimento em relação ao processo de construção do programa elaborado no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. “O plano não pode ser feito só no gabinete ou somente no Congresso, ele precisa ouvir reivindicações do povo”, lembra.

Reprodução
Para Igo Martini, PNDH não teria revisão se dependesse apenas do congresso

A atualização e revisão do PNDH 2 começou em 2008, a partir da realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que teve como tema “Democracia, Desenvolvimento e Direitos Humanos: Superando Desigualdades”. O primeiro PNDH foi lançado em 1996 e recebeu sua primeira atualização em 2002, quando incorporou direitos econômicos, sociais e culturais. A terceira versão do plano foi composta por representantes de entidades nacionais, movimentos de direitos humanos, membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Foram realizados 137 encontros em todos os estados e no Distrito Federal, contando com 14 mil representantes da sociedade civil e do poder público.

O PNDH 3 tem seis eixos orientadores e inclui propostas aprovadas em 50 conferências temáticas nacionais realizadas desde 2003 sobre igualdade social, direitos da mulher, segurança alimentar, educação, juventude, cultura, entre outras. Magno conta que a atualização do programa já está sendo feita, com o monitoramento de gestores e movimentos sociais, para analisar o que foi ou não implementado em relação ao plano anterior. “Precisa nesse momento fazer um monitoramento e o avanço desse plano, não uma revisão”, garante.

Marco Antônio acredita que possíveis alterações no PNDH precisariam ser “pontuais” e “claramente estabelecidas”. O advogado retoma a proposta do candidato tucano de redução de maioridade penal, que é um “absurdo”, e afirma que o programa de direitos humanos é um “assunto de extrema complexidade, não pode ser colocado assim de forma genérica e abrangente e ainda com restrições tais como esse exemplo. Seria um retrocesso”.

Igo Martini, assessor de Direitos Humanos da Prefeitura de Curitiba, explica que uma atualização do PNDH “depende muito do cumprimento” da versão atual. A presidência da República poderia convocar uma nova Conferência Nacional de Direitos Humanos para propor uma revisão. “Não pode ser apenas promessa de campanha, já está estabelecido.”

O especialista acredita que, se dependesse apenas do Congresso eleito, não haveria interesse na revisão do PNDH, e que o alto número de parlamentares conservadores eleitos pode provocar uma “nova onda” nos movimentos sociais de direitos humanos. “E o Congresso vai ter que dar uma resposta”, afirma Igo.

Uma das maiores conquistas práticas do PNDH 3 foi a instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, para apurar os crimes cometidos por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar (1964-1985). O grupo de trabalho estava previsto no plano sob a condição de direito à memória e à verdade como parte dos direitos humanos fundamentais – e, por isso, passou a ser duramente criticado por militares da reserva e lideranças conservadoras no Congresso, como o deputado Jair Bolsonaro (PP), além de juristas identificados com a direita, como Ives Gandra Martins, que os considera um “protótipo do golpe comunista” que estaria sendo orquestrado pelo governo federal.

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