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Juiz da ‘esquerda caviar’ absolve sumariamente Hideki e Lusvarghi por posse de explosivos

Matias Pereira reconhece resultados da perícia, que desconsiderou existência de bombas, e libera manifestantes de responsabilidade. Rapazes ainda enfrentam três acusações

Anderson Barboso/Fotoarena/Folhapress

Hideki mostra capa da Revista do Brasil ao contar ameaças que sofreu no Deic: ‘Vai apanhar que nem ele’

São Paulo – O juiz Marcelo Matias Pereira, titular da 10ª Vara Criminal de São Paulo, absolveu sumariamente ontem (18) os manifestantes Fábio Hideki Harano, 27 anos, e Rafael Marques Lusvarghi, 29, pelo crime de posse de explosivos. É o mesmo magistrado que havia mantido a prisão preventiva dos jovens em 1º de agosto, qualificando-os como integrantes da “esquerda caviar”, e que, uma semana mais tarde, após divulgação da perícia, voltaria atrás e os colocaria em liberdade provisória.

“Resta claro que os materiais apreendidos em poder dos acusados são meros simulacros de explosivos, inoperantes, ineficientes, de modo que não têm capacidade de produzir uma explosão”, reconheceu ontem o magistrado, em despacho, ao citar trechos do laudo produzido pelo Instituto de Criminalística de São Paulo e pelo esquadrão antibombas da Polícia Militar. O conteúdo das análises foi revelado pela RBA em 4 de agosto.

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A perícia sobre os artefatos supostamente encontrados com os rapazes concluiu que tanto o tubo de plástico que estaria com Hideki como a garrafa de iogurte atribuída a Lusvarghi haviam sido construídos com materiais “inertes”. Por essa razão, continua o juiz em sua decisão, “é flagrante a atipicidade da conduta imputada a eles, não constituindo o fato evidentemente um crime, razão pela qual devem os mesmos ser absolvidos sumariamente”.

O veredicto já era esperado pelo advogado de Hideki, Luiz Eduardo Greenhalgh. “Diante do resultado do laudo, o juiz não poderia manter a acusação por porte de material explosivo. Ele nada mais fez do que sua obrigação em reconhecer a inocência deles”, disse à RBA, reforçando a tese de que a falsa bomba foi “plantada” nos pertences do ativista. “Fábio foi vítima de uma armadilha policial. Como a polícia precisava ter um pretexto para prender manifestantes, introduziu na bolsa do Fábio, na delegacia, um simulacro de explosivo, fato que foi suficiente para que ficasse preso por 46 dias. Espero absolvição em relação aos demais crimes.”

Os jovens ainda respondem por três delitos. Em dois deles – associação criminosa e incitação ao crime – foram denunciados conjuntamente. Hideki ainda tem contra si uma acusação individual por desobediência. Lusvarghi, por resistência. O juiz resolveu não absolvê-los sumariamente também das demais acusações ao ponderar que “não se pode, neste momento processual, afirmar que as demais condutas sejam atípicas”. “As demais infrações dependem da análise do conjunto probatório, que está intimamente ligado ao mérito da causa, não podendo ser reconhecido neste instante.”

Matias Pereira marcou a primeira “audiência de instrução, debates e julgamento” para 26 de fevereiro, às 14h, no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Na ocasião, serão ouvidas apenas as testemunhas de acusação – 12 pessoas, no total, sete policiais civis e cinco militares. “As testemunhas de defesa serão ouvidas em data oportuna, evitando-se o prolongamento demasiado do ato processual”, proferiu.

Também ontem o juiz respondeu ao pedido de suspeição – uma espécie de voto de desconfiança – enviado pelos advogados de Hideki, argumentando que o magistrado não teria condições de analisar o caso com isenção. “O despacho dele que indeferiu a revogação da prisão preventiva, em 1º de agosto, falando da esquerda caviar, foi um despacho criticado publicamente”, argumenta Greenhalgh. “O juiz criminal tem que zelar pelo seu equilíbrio. Ele deu um despacho político, ideológico, vingativo e rançoso.”

Em documento, Matias Pereira nega que sua decisão tenha sido revestida de inclinação ideológica e discriminatória. Nega também que tenha julgado os manifestantes por antecipação, como acusam os advogados. E reafirma sua competência para seguir no caso. “Em nenhum momento se afirmou que os acusados eram ‘black blocs’ ou mesmo ‘esquerda caviar’”, insiste. “Criticou-se, sim, as manifestações violentas, as quais atingiram o direito de manifestação pacífica, que faz parte da democracia.”

“É evidente que ele se referia ao Fábio, e não genericamente, como ele diz”, rebate o advogado, dizendo que basta conhecer a língua portuguesa para compreender as afirmações do magistrado. “Não o considero isento para julgar esse caso. Não só eu. Muita gente criticou os termos do despacho que ele fez.” Pese a decisão favorável a seu cliente, publicada ontem, Greenhalgh ainda espera que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) analise e acate seu pedido de suspeição.

Hideki e Lusvarghi foram presos em 23 de junho por agentes infiltrados da Polícia Civil durante protesto contra a Copa do Mundo na Avenida Paulista, zona sul da capital. Desde o começo, ambos negam insinuações de que estariam em posse de explosivos. Testemunhos e vídeos endossam a versão dos acusados. Ainda assim, os rapazes foram levados à sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), onde relatam haver sofrido tortura e maus-tratos.

De lá, Hideki foi transferido para o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e depois para o presídio de segurança máxima de Tremembé, a 150 quilômetros da capital. Lusvarghi ficou na carceragem do 8º Distrito Policial, no Brás, centro da cidade. Cumpriram prisão preventiva durante 46 dias, até terem obtido, em 7 de agosto, o direito de responder o processo em liberdade.

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