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Ex-presos voltam ao DOI-Codi do Rio para reconhecer instalações de tortura

Em São Paulo, a perspectiva de um militar que resistiu ao golpe de 1964 foi relatada pelo capitão do Exército aposentado Darcy Rodrigues à Comissão Municipal da Verdade

Fabrício Faria e Marcelo Oliveira / ASCOM – CNV.

Sete ex-presos políticos torturados no antigo Doi-Codi visitam o prédio na Tijuca, na zona norte do Rio

Rio – A Comissão Nacional da Verdade (CNV) esteve hoje (23) com peritos e ex-presos políticos no local que foi considerado o principal centro de tortura da ditadura militar no Rio de Janeiro: o antigo prédio do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Tijuca, na zona norte. Nos cálculos da CNV, pelo menos 30 ativistas que presos no local estão desaparecidos e podem ter sido levados para outros centros do regime militar, como a Casa da Morte, em Petrópolis, na região serrana do estado.

Segundo o presidente da CNV, Pedro Dallari, o objetivo da diligência é detalhar, no relatório final do órgão que deve ser apresentado até o final de 2014, a utilização da instalação militar para a tortura, a morte e o desaparecimento de pessoas. “Nosso objetivo é apurar os fatos. A visita de hoje, com a presença das vítimas indicando com clareza os locais (da violação de direitos humanos) nos permitirá ter um croqui de como era a distribuição desse espaço”, disse. A CNV também fará, hoje, o reconhecimento do Hospital Central do Exército, no bairro de Benfica, onde foi comprovada a morte, sob tortura, do ativista Raul Amaro Nin Ferreira.

Com mais elementos que provam o uso de instalações militares para a tortura, em desvio de finalidade, o presidente da CNV avalia que poderão ser abertos, pelas Forças Armadas, processos administrativos para cassar a aposentadoria dos militares envolvidos nas práticas. “As instalações militares não foram criadas para isso (tortura)”, reforçou Dallari.

Durante a diligência, ex-presos políticos indicaram salas onde ficaram presos. “Está bem modificado, têm construções novas,  mas alguns locais nós reconhecemos bem, como a sala roxa, o local da geladeira (onde a temperatura variava ao extremo), o local onde colocaram jacaré no meu corpo nu, o local do fuzilamento simulado e a enfermaria, onde atendia o médico Amílcar Lobo para nos liberar de volta para a tortura”, contou a ativista Ana Miranda.

Integrante da Comissão Estadual da Verdade (CEV-Rio), o ex-preso político Álvaro Caldas, que já esteve no local outras vezes, disse que visita, com os ativistas entrando pela porta da frente, é um marco. “Hoje estou revistando o local da minha tortura – em pau de arara- de forma mais demorada, longa, com peritos analisando. Cumpri uma missão histórica para o país”, disse. Ele lembrou que testemunhos e documentos compravam que morreram ali o deputado Rubens Paiva e o desaparecido político Mário Alves, fundador do PCBR, durante o regime.

Em junho, as instituições militares declararam à Comissão Nacional da Verdade que não houve desvio de finalidade do uso de suas instalações, durante a ditadura.

São Paulo

A perspectiva de um militar que resistiu ao golpe de 1964 foi relatada hoje pelo capitão do Exército aposentado Darcy Rodrigues à Comissão Municipal da Verdade, da Câmara de Vereadores de São Paulo. Ele atuou ao lado do também militar Carlos Lamarca na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo de resistência armada à ditadura. O testemunho de Rodrigues apontou para a existência de financiamento empresarial à implementação do regime e apresentou detalhes do modo de organização da guerrilha que atuou no Vale do Ribeira. Hoje, o militar está com 73 anos e reside em Bauru, no interior paulista.

“Em 30 de março, constatei que existia uma frota de jipes zero-quilômetro sem emplacamento e vários ônibus para deslocamento de tropa. Os carros teriam sido comprados pela Casa Civil de São Paulo e os ônibus seriam contribuição da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)”, declarou. Ele apontou que a tropa foi informada do golpe em dia 31 de março, às 17h30. “Soubemos que o general Amauri Kruel, comandante do 2º Exército (atual Comando Militar do Sudeste), teria ligado ao presidente (João Goulart) e apresentado condições para continuar a apoiá-lo.” Uma delas era a colocação da Central Geral dos Trabalhadores (CGT) na ilegalidade.

Rodrigues não confirmou, no entanto, a versão do coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira que, em depoimento à comissão municipal, disse ter visto o general Kruel ser subornado para aderir ao golpe. “A mudança de comportamento repentina é indício claro de que houve uma força convincente”, avaliou, em referência ao dinheiro (um total de US$ 1,2 milhão) que, de acordo com o depoimento de Moreira, foi pago ao general pelo então presidente da Fiesp, Raphael de Souza Noschese. De acordo com o capitão, antes que o general mudasse de lado, a tropa comandada por Kruel estava pronta para defender as forças legalistas.

O guerrilheiro falou também sobre a prática, intitulada de expropriação de armas e dinheiro, utilizada pelos militantes da VPR. Ele relatou ter participado de pelo menos três ações. Em uma delas, o grupo pegou aproximadamente US$ 2,5 milhões de um cofre particular. “Soubemos que havia cofres na Guanabara (que se fundiu depois ao Rio de Janeiro) que pertenciam ao governador Ademar de Barros, dinheiro fruto de corrupção”, relatou. Rodrigues contou que os militantes descobriram, por meio de uma militante secundarista, um desses endereços e montaram uma operação para pegar o dinheiro. “Fiquei na porta da casa e uma 15 pessoas, caracterizadas como policiais federais, entraram alegando que estavam ali para vistoria de denúncia”, apontou.

Rodrigues relatou ainda os motivos que o levaram a ser preso, em abril de 1970, quando participava de um grupo de guerrilha armada no Vale do Ribeira, ao lado de Carlos Lamarca. Ele conta que, ao se distanciar do grupo para montar um centro de observação de movimentação das tropas, ele perdeu contato com os guerrilheiros, ficando mais vulnerável à ação dos militares. Após ser detido, ele foi torturado, como ocorria a outros presos políticos da época. “Estávamos na mata, mas, mesmo assim, eles usaram aparelhos improvisados de tortura. Além disso, durante pelo menos dez dias, ficamos praticamente sem alimentação e água”, relatou.

Durante a audiência, o presidente da Comissão Municipal da Verdade, vereador Gilberto Natalini, informou que o relatório final dos trabalhos deve ser entregue em dezembro, quando também se encerra o prazo para a finalização das atividades da comissão nacional.

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