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Sem-teto cobram Ministério Público e apresentam denúncias contra empreiteiras

MTST também recebeu apoio de lideranças políticas, intelectuais e juristas em ato público contra a criminalização realizado pouco antes da marcha

Alice Vergueiro/Futura Press/Folhapress

Sem teto tomaram as ruas da capital em ato pacífico para questionar ‘rigor seletivo’ do Ministério Público

São Paulo – Milhares de pessoas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) cobraram nesta quarta-feira (20) que o Ministério Público em São Paulo seja rigoroso na investigação de irregularidades envolvendo empreiteiras. O ato foi uma resposta às três ações abertas contra o MTST para apurar o suposto controle do movimento sobre os programas habitacionais do estado. “Não temos problemas que se investigue o MTST. Quem não deve, não teme, mas queremos que o MP tenha a mesma coragem para investigar os agentes da especulação imobiliária”, disse o coordenador dos sem teto, Guilherme Boulos.

Em menos de um mês, o promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público, Maurício Antônio Ribeiro Lopes, ingressou com duas ações contra o movimento e a prefeitura de São Paulo. Uma pede a abertura das listas de espera dos programas habitacionais municipais e outra a suspensão do programa federal Minha Casa, Minha Vida na cidade, sob acusação de que o MTST controla a destinação das moradias. Outra ação pede a anulação da lei que autorizou a definição da área da ocupação Copa do Povo, em Itaquera, zona leste da cidade, para programas habitacionais.

“Cada trabalhador que está aqui, sabe o quanto esperou nessa fila. Cada um que fez parte dessa fila, sabe que existem privilegiados, mas são as empreiteiras que levaram 98% do recurso do programa Minha, Casa Minha Vida”, criticou Boulos.

O programa é dividido em duas modalidades. Na convencional, as empreiteiras firmam parcerias com as prefeituras e constroem as moradias. Na modalidade entidades, o sistema é de autogestão. São criadas associações de moradores que administram a verba do programa, organizam os projetos e realizam mutirões ou contratam eles mesmos as empreiteiras. Nesse segundo caso, as casas ou apartamentos costumam ser maiores e mais baratas, conforme a RBA demonstrou em reportagem.

Em resposta, os sem teto marcharam da avenida Paulista até a sede do MP, onde protocolaram seis pedidos de investigação. As denúncias feitas contra o MTST foram pautadas em matérias da mídia tradicional. O movimento, então, selecionou seis reportagens sobre irregularidades praticadas por empreiteiras para apresentar à Promotoria de Habitação e Urbanismo do MP. “Queremos que o Ministério Público investigue quem, de fato, é beneficiado pelas políticas públicas e quem, de fato, tem controlado os programas habitacionais neste país”, destacou Boulos.

As denúncias são sobre terrenos ocupados indevidamente pelas construtoras Even e Cyrela, na região do Portal do Morumbi, na zona sul da cidade e contratos de R$ 250 milhões entre a prefeitura de São Paulo e as empreiteiras Camargo Corrêa e Carioca, para urbanização do bairro Jardim Colombo, na zona oeste, que não foram executados.

Outras denúncias dizem respeito a um suposto pagamento de propina para o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) pela construtora OAS para “ganhar” a obra de urbanização da favela Real Parque, uma obra do programa Minha, Casa Minha Vida entregue inacabada em Angatuba, no interior de são paulo, sem o pagamento de salários aos trabalhadores, e também a suspeita de ligação da construtora Even com incêndios em favelas na zona leste de São Paulo, para “liberar” áreas onde pudesse realizar empreendimentos.

Além disso, o movimento ainda questiona o favorecimento à família de Paulo Skaf, candidato do PMDB ao governo paulista, para a construção de um aeroporto em área de manancial no distrito de Parelheiros, extremo sul de São Paulo. O filho dele, André Skaf, é sócio de Fernando Botelho, herdeiro do grupo Camargo Corrêa, na empresa Harpia Logística, que pretende construir e operar o projeto.

O movimento também ironizou reportagens que acusam os sem teto de atuar em “troca de conhaque e pão com mortadela”. “Hoje, deve ter fechado a fábrica da Dreher e todas as padarias do centro de São Paulo com essa quantidade de gente na rua”, zombou Boulos.

“Muitos vieram direto do trabalho, por isso, marcamos o ato pra depois das 18h”, explicou Thais Costa, 22 anos, moradora da ocupação Nova Palestina, na região do Jardim Ângela, sudoeste da cidade. “Só falta dizerem que a gente não precisa de casa por isso”, completou. O ato foi pacífico e acompanhado por pouco efetivo da Polícia Militar, que estimou o público em três mil pessoas. Já o movimento falou em 15 mil.

Antes de levar os documentos aos promotores, o MTST recebeu apoio de lideranças políticas, intelectuais e juristas, em ato público contra a criminalização “por ações do Ministério Público Estadual e de parte da mídia”, no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp).

A candidata à Presidência da República pelo Psol, Luciana Genro, disse não estar surpresa com a criminalização do movimento social. “Somente as leis que favorecem os milionários, as empreiteiras e os bancos é que são cumpridas”, afirmou. Para ela, o verdadeiro crime é entregar a maior parte do programa Minha Casa, Minha Vida justamente para as empreiteiras executarem. “São elas que definem onde os pobres têm o direito de morar e a organização das cidades”, ressaltou.

Luciana assumiu, perante os milhares de sem teto que estavam no ato, o compromisso de que, se eleita, o programa federal passará a ser organizado somente na modalidade entidades. “São os trabalhadores que devem definir como fazer”, apontou.

O presidente da Associação dos Juízes para a Democracia, André Bezerra, avaliou que a situação do movimento remete ao período da ditadura civil-militar (1964-1985). “Em defesa da propriedade privada, se prendia, torturava e até matava”. Ele defendeu que a situação é uma oportunidade de questionar a estrutura do Judiciário e lutar pela democratização desse poder.

O jurista Jorge Luiz Souto Maior ressaltou que o MTST atua de forma legítima ao pressionar o poder público para solucionar o problema da habitação. “Errado é querer que as vítimas dessa situação reajam contra seus governantes para tirá-los da inércia”, analisou. Para ele, a repressão e a prisão de manifestantes, as demissões de trabalhadores após a realização de greves e as ações contra os sem teto, são parte de um mesmo processo de retroação do Estado brasileiro.

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik não pode comparecer ao evento, mas enviou uma carta de apoio ao movimento. No texto, ela diz que o preço dos imóveis têm crescido o dobro da inflação e, entre os anos de 2008 e 2014, esse aumento foi superior a 200%. “Estamos diante de uma crise grave. Um cômodo em Itaquera, na zona leste, tinha aluguel de R$ 300 reais há quatro anos. Agora, não sai por menos de R$ 700. Quem não aguenta pagar aluguel não pode ficar dez anos na fila da moradia esperando um sorteio”, enfatizava um trecho.

Também esteve presente no ato o vereador Nabil Bonduki (PT) relator do Plano Diretor Estratégico da cidade, que ressaltou a importância da participação do movimento no plano para a conquista de avanços na questão da moradia. Além dele, compareceram o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o coordenador nacional da Pastoral do Povo da Rua, padre Júlio Lancelotti, o presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro) Paulo Pasin, e os deputados estaduais Renato Simões e Adriano Diogo, ambos do PT.

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