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Juiz ecoa versão oficial ao acusar ativistas de integrar ‘esquerda caviar’

Para magistrado, Hideki e Lusvargh 'certamente' cometeriam crimes se fossem soltos; sentença se refere a 'depoimentos consistentes' como prova de que portavam explosivos, versão desmentida por perícia

Fabio Braga/Folhapress

Três dias após prisão, protesto em São Paulo pedia liberdade para Hideki e Lusvargh

São Paulo – O juiz Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal de São Paulo, escreveu em sentença publicada na última sexta-feira (1º) que as ações dos manifestantes Fábio Hideki Harano, 27 anos, e Rafael Marques Lusvargh, 29, são condizentes com a denominada “esquerda caviar”. Seus membros, segundo o próprio magistrado, se dizem contrários ao capitalismo mas usufruem de suas benesses: celulares, tênis de marca e redes sociais.

O juiz utilizou tal constatação como argumento para negar pedido de revogação da prisão preventiva movido pelos defensores de Hideki e Lusvargh, na intenção de que os jovens aguardem julgamento em liberdade. Assim, o magistrado manteve a prisão preventiva dos ativistas, encarcerados há 45 dias.

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“Este grupo atenta contra os poderes constituídos, desrespeitando as leis, os policiais, que têm a função de preservar a ordem, a segurança e o direito de manifestação pacífica, além de, descaradamente, atacarem o patrimônio particular de pessoas que tanto trabalharam para conquistá-lo, sob o argumento de que são contra o capitalismo, mas usam tênis da Nike, telefone celular, conforme se verifica das imagens, postam fotos no Facebook e até utilizam de uma denominação grafada em língua inglesa, bem ao gosto da denominada ‘esquerda caviar’”, sustentou Matias Pereira.

A expressão “esquerda caviar” teria se originado nos anos 1980, na França, para designar a “hipocrisia” de pessoas de elite, que vivem do bom e do melhor, mas se dizem esquerdistas. Um dos difusores do termo no Brasil recentemente é o colunista da revista Veja, Rodrigo Constantino.

Autor do livro Esquerda Caviar: a hipocrisia dos artistas e intelectuais progressistas no Brasil e no mundo, publicado pela Editora Record no ano passado, Constantino comemorou hoje (5) a sentença. “A expressão não é minha, mas admito humildemente tê-la tornado mais popular no Brasil esses dias. Será que o juiz andou lendo meu livro? Gostaria de mandar um exemplar autografado a ele, pois o homem merece!”, escreveu em seu blog.

O colunista aproveitou para empregar outra expressão em referência a Hideki e Lusvargh: Revolucionários Toddynho. “Eis que agora surgiu um juiz macho para chamar a coisa pelo seu nome. Ao negar a liberdade para dois mimados mascarados, foi direto ao ponto e os acusou de ser esquerda caviar”, comentou. “Aplicar as leis e punir tais criminosos é apenas respeitar o Estado Democrático de Direito.”

Outros pontos

Além de dizer que Hideki e Lusvargh agem “ao gosto” da esquerda caviar, o juiz Matias Pereira se refere a “depoimentos consistentes que apontam que em poder dos mesmos foram apreendidos artefatos explosivos/incendiários”.

No entanto, as perícias realizadas pelo Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo e pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar, entregues ontem (4) aos advogados de Fábio Hideki, mostram que os objetos supostamente encontrados com os jovens são “inertes”, não possuem capacidade explosiva e nem podem trazer riscos à integridade física das pessoas.

Escrita antes da divulgação dos laudos periciais, a sentença também faz um exercício de futurologia ao dizer que, se colocados em liberdade, Hideki e Lusvargh “poderão certamente promover e participar de outros eventos, provocando todo o tipo de destruição e quiçá consequências mais graves, como mortes”.

O magistrado ainda utiliza, na decisão, uma tese bastante veiculada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para quem as “manifestações pacíficas” vistas em junho de 2013 foram “perdendo legitimidade” após a infiltração de adeptos da tática black bloc.

“É lícito concluir que os integrantes deste grupo, que se dizem anarquistas e que agem contra tudo e todos, atentam contra a própria democracia, na medida em que desmoralizam as legítimas manifestações públicas, que acabaram ficando desacreditadas pelos atos de vandalismo.” Para Matias Pereira, como também escreve na sentença, os black blocs são motivo de “vergonha nacional e mundial”.

Em Brasília, hoje (5), Alckmin voltou a ecoar a ideia. “Infelizmente, o que nós vimos, não só em São Paulo, mas em outros lugares, é que manifestações legítimas, que devem ser apoiadas e até garantida a integridade física dos manifestantes, acabou em muitos casos partindo para o vandalismo, para a depredação do patrimônio público e do patrimônio privado, que é crime. Aí é preciso prender as pessoas.”