testemunho

‘Ele estava caminhando comigo’, diz repórter que presenciou prisão de manifestante em SP

Marcin Wyrwał gravava protesto contra Copa para TV polonesa quando policiais agarraram Rafael Lusvargh. 'Deram-lhe uma gravata por trás', afirma. 'Foi brutal'

Onet./Reprodução

Wyrwał acompanhou manifestante durante protesto de 23 de junho e presenciou ação policial

São Paulo – O jornalista polonês Marcin Wyrwał afirmou à RBA nesta quinta-feira (14) que os agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) responsáveis pela prisão do manifestante Rafael Marques Lusvargh, 29 anos, não se identificaram como policiais ao abordar o jovem durante protesto contra a Copa do Mundo realizado na avenida Paulista, zona sul de São Paulo, em 23 de junho. Na capital para cobrir o torneio da Fifa para o canal Onet, Wyrwał relata ainda que o manifestante não carregava nada no momento da detenção e tampouco depredava uma banca de jornais, como atestam alguns policiais que participaram da prisão.

“Pegaram Rafael pelo pescoço, com uma gravata por trás, e rapidamente o derrubaram no chão. Também torceram o braço”, afirma, em entrevista por Skype. “Para mim, foi uma cena bastante brutal e violenta.” Wyrwał garante que os agentes do Deic não se identificaram ao jovem. “Não se aproximaram de Rafael dizendo algo do tipo: ‘Com licença, senhor, somos policiais, venha conosco’. Não disseram nada, apenas o atacaram.”

O jornalista lembra que, no momento, pensou que Lusvargh estava sendo assaltado. “Eram pessoas armadas, mas estavam vestidas normalmente. Só fui entender que eram policiais quando a Tropa de Choque apareceu para apoiá-los.”

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As palavras de Wyrwał podem ter tanta importância para a defesa de Lusvargh quanto o testemunho do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, para a versão do ativista Fábio Hideki Harano, 27 anos, preso na mesma manifestação. O relato do polonês é considerado valioso, inclusive para os promotores do Grupo de Atuação Especial para Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, que conduzem as acusações contra os rapazes por porte de explosivos, associação criminosa, incitação ao crime, resistência e desobediência. Após 46 dias de prisão preventiva, ambos respondem processo em liberdade.

“Sei que um jornalista polonês estava acompanhando Rafael e afirmou que ele jamais poderia estar com artefato explosivo ou cometido crimes. Por que essas pessoas não nos procuram?”, pediu uma das promotoras do Gaeco, ao ser confrontada pela RBA com a versão dos advogados de Hideki e Lusvargh, segundo a qual a polícia forjou evidências contra os manifestantes. “Eu não dou mais valor à palavra de um policial do que à de uma pessoa isenta, mas, se ninguém me diz nada, não me compete ir atrás. Caso apareçam provas de que o inquérito não é verdadeiro, podemos até pedir a absolvição dos réus.”

Além de contestar a versão da polícia, para quem Lusvargh resistiu à prisão desde o primeiro momento, Wyrwał refuta a tese de que o jovem estaria em permanente contato com Hideki. Ou que tenha depredado uma banca de jornais. “Isso não é verdade. Pegaram Rafael perto da banca, mas ele não cometeu nenhum ato de vandalismo”, atesta. “Ele estava apenas andando e conversando conosco. Só isso.” O jornalista explica que seguiu Lusvargh durante a maior parte do protesto de 23 de junho, filmando e fazendo entrevistas, pois estava gravando um programa especial com o rapaz. O interesse havia surgido dez dias antes, em 12 de junho, no protesto ocorrido na estação Carrão do metrô, na zona leste de São Paulo.

“Estávamos cobrindo a manifestação da abertura da Copa, quando, logo no comecinho, a polícia passou a atacar as pessoas. Todos correram, menos um rapaz sem camisa que, eu ficaria sabendo depois, era Rafael”, lembra Wyrwał. “Ele ficou parado no meio da rua, a polícia atirando balas de borracha contra ele e ele agindo como se nada estivesse acontecendo. Depois o pegaram e jogaram spray de pimenta em seus olhos. Então, eu disse: ‘Uau, quem é esse cara?’ Pensei que seria interessante entrevistá-lo.” Como Lusvargh foi preso e levado para não se sabia onde, o polonês acreditou que nunca mais o veria. Porém, voltaram a se encontrar em outra manifestação, onde conversaram.

Wyrwał ficou ainda mais interessado pela figura do rapaz, trocaram telefones, voltaram a se falar e combinaram de gravar um programa especial no seguinte protesto contra a Copa do Mundo, marcado para 23 de junho. “Era um protesto muito pequeno, muito pacífico. Estivemos filmando Rafael, que também estava pacífico, apenas caminhando, conversando com as pessoas”, relata. “Antes da manifestação começar, ele pediu para deixar as coisas pessoais – chaves, celular e mp3 player – no meu carro, porque não tinha onde guardá-las. Não tinha bolso. Estava apenas com uma saia escocesa, não carregava nada com ele.”

O polonês afirma que saiu de perto de Lusvargh apenas para fazer imagens do aparato policial, da traseira e dianteira da passeata. “Quando tudo terminou, pacificamente, como disse, eu, meu cinegrafista e Rafael fomos para a garagem pegar as coisas dele no carro”, continua. “Quando estávamos a uns 50 metros da manifestação foi que homens se aproximaram de nós, com armas.” Wyrwał comenta que, logo após a abordagem, algumas pessoas se aglomeraram em volta dos policiais para filmar a cena e pedir que soltassem o manifestante, mas, ao contrário do que dizem os agentes, não tentaram resgatá-lo. “Ninguém ali agiu com violência contra os policiais. Estávamos apenas vendo e registrando a cena.”

Em depoimentos, os homens do Deic afirmam que “houve ameaça por parte dos manifestantes de não deixar que a prisão se concretizasse, ou seja, investiram contra os policiais”. Por isso é que, dizem, deram tiros de chumbo para o alto na tentativa de “conter os manifestantes”. Foram pelo menos dois. Também relatam que a presença da PM foi essencial para dispersar as pessoas que não lhes deixaram prender o jovem. “Fizeram isso para amedrontá-las”, contrapõe Wyrwał. “Então, a tropa de choque apareceu e fez um cordão de isolamento entre nós, que estávamos presenciando a cena, e os policiais à paisana, que prendiam Rafael. E o levaram.”

Depois de gravar uma última cena, em que aparece na tela mostrando os pertences de Lusvargh, o polonês tentou visitá-lo na sede do Deic. Não conseguiu. Quando o rapaz teve a prisão preventiva revogada, em 7 de agosto, Wyrwał comemorou a libertação pelo Facebook, aproveitando para dizer que a polícia agiu de maneira “completamente ilegal.” Mesmo sabendo que o personagem da reportagem permaneceu 46 dias detido e agora responde processo por quatro crimes, o polonês se diz um tanto quanto desconfortável para emitir a opinião. “Como jornalista, prefiro me ater aos fatos, mas, se você quer mesmo saber, acho tudo muito estranho.”