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Skinheads acusados de esfaquear punks começam a ser julgados em São Paulo

Três jovens respondem por tentativa de homicídio, formação de quadrilha e corrupção de menores. Eles são apontados como autores de ataque que deixou três punks esfaqueados em 2011

São Paulo – Começou ontem (1º) no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, o julgamento em júri popular de três skinheads acusados de atacar um grupo de anarco-punks no centro da capital há pouco mais de três anos. O crime ocorreu na tarde de 26 de fevereiro de 2011, nas proximidades do terminal Parque Dom Pedro II, centro da capital.

Na ocasião, três jovens foram feridos com instrumentos cortantes. Danilo Vilela Macedo teve cortes no braço, Sílvio Rodrigues Moreira (negro) acabou com a barriga perfurada e Isaías Lázaro Lopes (negro), maior vítima do episódio, levou uma facada na testa: o golpe atravessou o crânio e atingiu o cérebro.

Momentos antes, outro rapaz, Márcio Silva de Oliveira (negro), conhecido como Saci devido à uma deficiência física, fora espancado com tacos de madeira e atingido na cabeça. Depois da surra, os agressores tentaram roubar a prótese que usa no lugar da perna ausente. O jovem é morador de rua e se identifica com a cultura punk.

Apesar de não terem sido os únicos que participaram do ataque, Rogério Moreira, Milton Gonçalves do Nascimento Junior e Jorge Gabriel Gonzales foram detidos pela polícia pouco depois da briga e agora respondem em liberdade por tentativa de homicídio, formação de quadrilha e corrupção de menores.

A última acusação se deve à participação de um rapaz que, na época, tinha 17 anos. O adolescente cumpriu medidas socioeducativas e foi solto. Havia ainda outro suposto skinhead – Rapahel Dierings – acusado de integrar o grupo, mas que morreu há quatro meses.

A audiência de ontem começou às 15h15 e se estendeu até depois das 22h30. Foram ouvidas três testemunhas de defesa: um militante e uma ex-militante do Movimento Anarco-Punk (MAP) de São Paulo, e um simpatizante do grupo. Com maior ou menor proximidade, todos presenciaram o ataque dos skinheads e contam basicamente a mesma história.

As vítimas estavam participando de um evento o Jornadas Antifascistas num centro social conhecido como Ay Carmela, localizado na rua das Carmelitas, centro. O evento foi organizado para lembrar o assassinato de Edson Neris da Silva, homossexual espancado até a morte por skinheads em 6 de fevereiro de 2000, na Praça da República, também na região central.

Desde então, grupos contrários à intolerância, à discriminação racial e à homofobia, como os anarcopunks, organizam as Jornadas Antifascistas em homenagem ao jovem morto. Em 2011, o evento estava na 11ª edição. Houve divulgação pela internet e, pela manhã, panfletagem convidando para a festa-protesto no Ay Carmela. À tarde, haveria shows.

Vítimas e testemunhas dizem que estavam em meio à confraternização, prestes a servir o almoço, quando começaram a ser hostilizados por um grupo de skinheads que se aproximava pela rua Carmelitas. Segundo relatos, eram aproximadamente 15 jovens, que ofendiam os presentes com termos como “pretos”, “veados”, “bichas”, “filhos da puta”, “lixo” e “vai morrer”.

Além de anarcopunks, também havia catadores de materiais recicláveis, pessoas em situação de rua e adeptos do movimento negro e da cultura hip hop participando da confraternização. Havia ainda pessoas frequentando alguns bares nas redondezas. De acordo com as declarações das vítimas e testemunhas, os agressores, além de terem as cabeças raspadas, ostentavam símbolos nazistas e agiam organizadamente, como uma formação paramilitar.

Preocupados em impedir que os skinheads se aproximassem do Ay Carmela,  onde, dizem, havia mulheres e crianças, os anarco-punks saíram para a rua na tentativa de repeli-los. Nesse momento, os skinheads teriam sacado uma espingarda de chumbo e efetuado alguns disparos. Mais tarde, a arma seria apreendida pela polícia com os acusados.

Os xingamentos continuaram,  acompanhados de paus e pedras, e o grupo de agressores se afastou do local, com direção ao terminal Parque Dom Pedro II. Um ponto e outro distam, aproximadamente, dois quarteirões ou 200 metros. As testemunhas oculares dizem que em nenhum momento os skinheads tentaram fugir. “Eles recuavam de frente para nós. Era muito estranho”, disse um depoente. “Parecia uma armadilha.”

Os enfrentamentos e as agressões mais graves ocorreram em frente ao terminal. É sobre esse ponto que defensores públicos que advogam para os réus mais divergem dos promotores de acusação.

Segundo vítimas e testemunhas, ao chegarem no terminal, parte dos skinheads que participou das hostilidades na rua Carmelitas havia dispersado. Outra parte, porém, se mantinha disposta ao embate. Os relatos dão conta de que um dos agressores começou a tirar facas, facões e machadinhas de uma bolsa de violão, também conhecida como bag ou case, e distribui-los aos companheiros.

Foi quando partiram para cima de Isaías, que foi atingido na testa. Sílvio tentou socorrê-lo e foi atacado na barriga. Danilo, anarco-punk ferido no braço, não compareceu ao julgamento para testemunhar contra os réus. Saci, primeiro a ser atacado, tampouco: o jovem apanhou com tacos de madeira antes mesmo de começar o confronto, enquanto ainda se dirigia à rua Carmelitas.

Só depois de ferirem Sílvio e Isaías é que os supostos skinheads entraram no terminal, com a intenção de fugir. Lá dentro, foram pegos pela polícia.

Os defensores negam que os réus tenham atacado deliberadamente os anarco-punks no Ay Carmela. Durante o depoimento das vítimas e das testemunhas, a defesa tentou explicitar a tese de que os supostos skinheads foram atacados quando passavam pelas redondezas da festa, correram para o Parque Dom Pedro II na intenção de escapar das agressões e apenas esfaquearam Isaías, Sílvio e Danilo para se defender, uma vez que estavam encurralados. Não fizeram menção ao espancamento de Saci.

“Os réus foram agredidos inicialmente pelas pessoas que estavam no evento, foram acuados no terminal Parque Dom Pedro II, onde acabou havendo um confronto, numa situação de conflito entre os dois grupos”, sustenta o defensor público Davi Depiné. “Havia pessoas com pedaços de pau partindo de maneira violenta contra os acusados.” De acordo com o defensor, os réus não se identificam como skinheads, com a exceção de um. Nenhum assumiu ser autor das facadas.

“Tudo isso é mentira”, rebate Johnny dos Santos, anarco-punk amigo das vítimas que assistia ao julgamento. “Eles foram até lá para atacar nossa atividade, porque são de ideologia neonazista e fascista. Queriam acabar com o evento que justamente foi feito para denunciar o crime deles. Ninguém vai apenas ‘passear’ pelo centro levando uma espingarda de chumbo, facas, machadinhas.”

A condenação ou absolvição dos acusados será decidida por um júri de sete pessoas. Entre elas, há dois negros, uma mulher e quatro brancos. O julgamento continua hoje (2) com o depoimento das testemunhas de defesa e dos réus, além do debate entre acusação e defesa. Existe a possibilidade de que a sentença seja proferida até o final do dia. Caso contrário, espera-se uma decisão para amanhã (3).

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