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MTST fala de ‘ações radicais’ em São Paulo se não tiver respostas até amanhã

Movimento considera satisfatórias as ações da prefeitura da capital paulista para habitação, apresentadas ontem, mas quer atendimento de reivindicações nas outras esferas de governo

Alice Vergueiro/Futura Press/Folhapress

Manifestantes ocuparam faixa da Radial Leste e marcharam até o Itaquerão, palco de abertura da Copa

São Paulo – O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, afirmou ontem (4) que o movimento vai realizar ações  radicais nos próximos dias e que a abertura da Copa do Mundo de 2014, na Arena Corinthians (Itaquerão), zona leste de São Paulo, pode ser pintada de vermelho, caso as reivindicações do movimento não sejam atendidas até amanhã (6). “Daqui uma semana é a abertura. Estamos mostrando que já conhecemos o caminho. Se não resolverem, vai ter muita gente de verde e amarelo, mas de vermelho também ”, ameaçou Boulos.

Antes disso, o movimento pretende testar uma ação que poderia se repetir na Copa e burlar o esquema de segurança da chamada área de exclusão de dois quilômetros em torno dos estádios. Os sem teto pretendem fechar avenidas da cidade durante o jogo amistoso entre as seleções de Brasil e Sérvia, na sexta-feira, 16h, no estádio do Morumbi, na zona sul da cidade. “Se até sexta-feira não tivermos resposta para as nossas reivindicações, não sei se a torcida vai conseguir chegar ao estádio”, afirmou Boulos.

Além disso, o grupo prometeu agir durante o 64º Congresso Fifa. “O povo também vai de penetra no Congresso da Fifa ”, disse Boulos. O evento será realizado nos dias 10 e 11 deste mês, no Transamérica Expo Center, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.

A insatisfação do movimento se dá, sobretudo, nas pautas relacionadas ao governo federal. O movimento reivindica mudanças no Programa Minha Casa, Minha Vida, que fortaleçam a modalidade entidades e estabeleçam regras que estimulem melhores localização e qualidade nas construções. Eles também pedem o controle público do reajuste de aluguéis, que coloque o índice inflacionário como teto, além de uma política preventiva contra despejos forçados, com a formação de uma Comissão de Acompanhamento, ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

O MTST também dirige a pauta ao governo do estado, administrado por Geraldo Alckmin (PSDB). Entre as demandas está o aumento dos recursos destinados ao programa Casa Paulista, que hoje concede R$ 20 mil de subsídio por unidade habitacional.

O militante se mostrou surpreso com o anúncio do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), feito na manhã de ontem, de destinar R$ 300 milhões para custear desapropriações, oriundos do Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura (FMSAI), criado a partir do convênio da prefeitura com a Sabesp para que a companhia estadual opere na cidade.

O prefeito havia suspendido as desapropriações no início do ano, impossibilitadas desde que uma ação judicial do PSDB e da Fiesp barrou reajuste do IPTU. O fundo é constituído a partir de um repasse de 7,5% da receita bruta que a Sabesp obtém em São Paulo, a partir da prestação de serviços de abastecimento de água e saneamento.

Haddad também anunciou a destinação de R$ 20 mil de subsídio municipal por unidade habitacional do Programa Minha Casa, Minha Vida em São Paulo.

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“Particularmente, a questão do aumento dos subsídios e do recurso para desapropriação são medidas muito positivas de atendimento das demandas que estão sendo colocadas nas manifestações. É uma demonstração de sensibilidade e de compreensão do prefeito sobre aquilo que as ruas estão demandando”, disse Boulos.

Para ele, no entanto, a destinação do subsidio deveria ter critérios melhores quanto aos empreendimentos. Do contrário, ele acredita que esses R$ 20 mil serão apropriados pelas empreiteiras para fazer apartamentos com o mesmo nível de “qualidade baixa de hoje.” “Não adianta você só repassar recurso. Poderia haver algum tipo de regulamentação, incluindo que esses 20 mil só vão ser dados, caso o apartamento supere 50 metros quadrados, por exemplo”, sugeriu.

O coordenador do MTST ressaltou que a onda de protestos realizados pelo movimento têm o claro interesse de “aproveitar os holofotes” que o país recebe e receberá durante a Copa. “Se a gente não conseguir agora, vocês acham que vai acontecer alguma coisa quando os holofotes forem embora? Claro que não. Por isso, estamos fortes e mobilizados neste momento.”

Para Boulos, a situação é de simples compreensão, pois as pautas do movimento foram apresentadas para todas as esferas de governo. A presidenta Dilma Rousseff, inclusive, recebeu o coordenador durante visita ao Itaquerão, no mês passado.

“O que queremos é que o povo seja visto ao menos uma vez na Copa.” Ele ressaltou que as empreiteiras, a FIFA e os patrocinadores são os grandes vencedores da Copa do Mundo e que “o povo tem direito à parte que lhe cabe.”

“Agora, se o governo quiser pagar para ver, ele vai ver. Não desacreditem na força do povo”, declarou. Boulos garantiu que o movimento não será intimidado pelo aumento do efetivo policial para a Copa do Mundo e nem pelas Forças Armadas, que deverão manter contingentes na cidade durante o evento.

O protesto

Cerca de 25 mil sem teto – segundo os organizadores do ato e 12 mil de acordo com estimativa da Polícia Militar. Mesmo com os números tradicionalmente diferentes fornecidos por movimento e PM, as ruas mostraram milhares de pessoas na manifestação realizada no início da noite de ontem, que saiu da estação Vila Matilde, da Linha 3 – Vermelha do Metrô paulista, e foi até o estádio de abertura da Copa. Outros grupos estavam representados na marcha, mas o número era pequeno se comparado aos sem teto.

Mulheres, homens, idosos, jovens, crianças e até mesmo bebês cumpriram os sete quilômetros do trajeto em pouco menos de três horas. O ato pacífico era também alegre. Muitas pessoas, além de executarem os tradicionais agito de bandeiras e palavras de ordem, dançavam e cantavam próximas aos carros de som.

A Polícia Militar acompanhou de longe o protesto. Não houve nenhum incidente ou depredação.

A Fifa foi lembrada várias vezes pelos manifestantes, sendo repetidamente chamada de “entidade mais corrupta do mundo.”

Entre os sem teto, o objetivo era muito claro: eles não esperam mudar o mundo, mas conseguir aquilo que consideram um direito, a moradia.

A faxineira Valdívia de Souza Barbosa, 48 anos, quer conseguir uma casa em que tenha condições de morar com a filha e três netos. Para isso, ingressou na ocupação Copa do Povo, no Parque do Carmo, zona leste da cidade. “Nem é mais por mim. É pelos pequenos. Nunca consegui ingressar em financiamentos. Ou a renda não dava ou eu não atendia os critérios”, contou. Para ela, o caminho das ruas é o único que pode dar resultado à população de baixa renda. “A rua é o caminho pra gente. Nós estamos na luta por um direito, mas não queremos nada de graça”, explicou.

Valdívia paga R$ 400 de aluguel ainda hoje, em uma casa de dois cômodos, no Parque do Carmo, mesmo vivendo na ocupação. Teme que um possível despejo a deixe na rua e piore a situação. “Não vou conseguir outro aluguel desse valor. Tudo aqui subiu muito, qualquer casinha é um dinheirão. Por isso, o povo foi para o terreno (da ocupação Copa do Povo)”, comentou.

A pensionista Rosa Aragão, 57 anos, está nas ruas com o movimento desde 2007. Ingressou na ocupação João Cândido, em Itapecerica da Serra, e hoje aguarda a conclusão da construção do primeiro grupo de apartamentos em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo. “É a prova de que a luta vale a pena. Quando conseguir, vamos morar eu, minha filha, meus netos e meu genro”, fala, orgulhosa.

A filha vive em uma casa de quatro cômodos, pagando R$ 900 de aluguel, na região do Campo Limpo. “Mas ela só paga esse valor porque está lá há quatro anos”, alerta.

Para ela, o movimento mexe com as pessoas além da necessidade material. “Eu era muito deprimida. Meu filho ficou muito tempo doente e morreu uma semana antes de surgir a ocupação. Foi a minha salvação. E garanto que não só a minha. São muitas histórias”, ressaltou.

Vai ter comemoração

Rosa e Valdívia, apesar da luta, não vão deixar a Copa do Mundo de lado. “Da Copa, eu não abro mão. Vamos torcer, fazer churrasco e dançar um ‘forrozinho’ para comemorar as vitórias da seleção brasileira”, revelou Rosa.

“O clima da ocupação é muito bom. Vamos ver a Copa juntos, mas sem deixar a luta de lado”, destacou Valdívia.

A auxiliar de limpeza Ângela Oliveira, de 32 anos, lutava para amamentar o pequeno Emanuel, de apenas três meses, sem perder o ritmo da marcha. Ela ingressou no movimento na ocupação Novo Pinheirinho, em Embu das Artes, há dois anos. “Claro que vale a pena. Tentei me cadastrar na CDHU muitas vezes, mas é muito burocrático. Aqui eu acredito que vamos conseguir”, enfatizou.

Ângela vive com o marido e quatro filhos em uma casa de três cômodos. Paga R$ 560 de aluguel. “É impossível. Se sairmos dessa casa, não vamos conseguir pagar nenhuma outra na região”, disse. Ela vive há quatro anos no local.

José Carlos Pereira, 41 anos, se tornou militante do setor de comunicação do MTST. A moradia dele saiu há um ano, por um acordo que obteve cartas de crédito junto à Caixa Econômica Federal. Pereira comprou uma casa na cidade de Praia Grande, no litoral de São Paulo. “Era onde dava para fazer o negócio”, esclareceu.

Apesar da conquista pessoal, ele está tão ligado às ações do movimento que mantém a atuação para auxiliar outras pessoas a conquistarem moradias. “Muita gente pena com o aluguel. Eu penava. Agora é hora de apoiar outras pessoas nessa caminhada”, pontuou. Pereira disse que não terá tempo para ver a copa, mas que espera que o Brasil vença. “Vou estar ocupado, mas vou torcer.”

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