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Universidades pedem mais investimentos para Projeto Rondon

Instituições de ensino superior que participam do projeto apontam que o período para realização das atividades é insuficiente no desenvolvimento das comunidades e buscam alternativas

arquivo/extensão uel

Universidades criticam a falta de participação e de verba dos ministérios atrelados ao Rondon

São Paulo – A dois meses de começar a próxima operação, o Projeto Rondon apresenta dificuldades em alcançar o objetivo como programa de extensão universitária e se restringe ao assistencialismo. Coordenado pelo Ministério da Defesa e atrelado a outros nove ministérios, o projeto leva estudantes universitários voluntários a municípios carentes do país para contribuir com o desenvolvimento sustentável das comunidades. A escassez de recursos e o caráter não continuado das atividades são apontados pelas instituições de ensino superior como as maiores barreiras para o desenvolvimento das ações.

As operações são realizadas duas vezes ao ano, em janeiro e junho, com duração de 15 dias. Elas priorizam as regiões norte e nordeste do país e são acompanhadas por militares.

No entanto, o Ministério da Defesa indica que não pretende ampliar a estrutura do programa, mas apenas aumentar o número de alunos e professores que participam. Segundo o coordenador do Projeto Rondon no Ministério da Defesa, Ivan Carlos Weber Rosas, há uma procura muito grande das universidades desde 2005, quando o projeto foi retomado após pausa de 15 anos, mas a ausência de verbas limita participação mais ampla. O Rondon recebe verba anual de R$ 4 milhões.

“Nós temos uma meta: levar mais de dois mil alunos por ano. Estamos aquém”, explica Ivan. De acordo com os dados no site do Projeto Rondon foram levados, em 2009, 1.753 alunos e professores para as operações. No ano seguinte, o número subiu para 2.706, e, em 2011, chegou a 2.924. De 2012 para cá, houve uma baixa significativa na quantidade de participantes (1127 em 2012 e 1500 em 2013).

As universidades argumentam que houve um esvaziamento do projeto e redução de verbas. O Ministério da Defesa afirma que, apenas neste ano, devido as eleições, houve uma pequena redução do valor.

Apesar do projeto ser interministerial, os recursos são disponibilizados somente pelo Ministério da Defesa, que pressiona os outros ministérios, como o da Educação, para que contribuam. O coordenador do projeto garante que, com a redução da verba para as operações deste ano, aumentou a necessidade de outros ministérios fornecerem recursos.

O Ministério da Educação, da Integração Nacional, da Saúde, do Desenvolvimento Agrário, do Desenvolvimento Social e Combate à fome, dos Esportes, do Meio Ambiente, das Cidades e a Secretaria Geral da Presidência da República são ligados ao programa. Atualmente, o papel deles é restrito a funções de planejamento e elaboração das atividades que serão exercidas nos municípios, além de seleção das universidades que participam.

Contudo, representantes das instituições de ensino superior que integram o programa criticam a participação limitada dos ministérios atrelados ao Rondon, principalmente por não repassarem verbas. Além disso, apontam que o período de 15 dias para a realização das atividades é muito curto e não garante desenvolvimento para as comunidades.

Os acadêmicos acreditam que deveria haver mais retorno aos municípios ou até mesmo um programa com duração anual. A ausência de uma investigação sobre os impactos que o programa cria na dinâmica da população atendida também é criticada. Assim, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de Brasília (UnB) debatem formas de ampliar, por iniciativa própria, as operações.

Porém, Amauri Aparecido Aguiar, coordenador do Projeto Rondon na Unicamp, argumenta que as instituições de ensino superior possuem poucos recursos financeiros para dar continuidade ao projeto. “O que os municípios estão fazendo para dar sequência? Estão solicitando ao Estado, principalmente ao governo federal, os meios necessários para que elas (as comunidades) possam sair da condição que estão e melhorar a qualidade de vida?”, questiona.

Hoje, as universidades estaduais paulistas USP, Unicamp e Unesp recebem do governo do estado 10% do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Desse valor, R$ 300 mil são destinados para projetos de extensão internos das instituições. De acordo com Amauri, a Unicamp fornece R$ 12 mil para cada projeto interno, o que proporciona de 22 a 25 ações por ano e limita projetos com grande deslocamento, como o Rondon, que depende de transporte aéreo.

Debate e prática

O programa foi criado em 1967, durante a ditadura civil-militar, e funcionou entre as décadas de 1970 a 1980, sendo extinto em 1989. Na época, atuava com foco no apoio a saúde. Foi retomado em 2005, coordenado pelo Ministério da Defesa, a pedido da União Nacional dos Estudantes (UNE) ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na origem, o projeto não tinha atividades regulares, como ocorre hoje, e não atingia número tão grande de municípios e universidades. Além disso, se restringia ao assistencialismo. Porém, apesar das diferenças com relação ao tempo da ditadura, o Rondon ainda apresenta resquícios de ações assistenciais.

Na Unicamp, é esse o debate que ocorre desde a retomada do projeto. Lá o núcleo que trabalha com o Rondon reflete se o objetivo principal – o de oferecer extensão universitária – é cumprido. “Extensão mesmo seria estar lá para viver o problema junto com a comunidade, pensar a solução, construir a solução e executar a solução. O papel da universidade junto à sociedade é um tripé: ensino, pesquisa e extensão”, avalia Amauri Aparecido Aguiar.

Na operação realizada pelo Rondon em janeiro deste ano, intitulada Velho Monge e que atendeu 25 municípios do estado do Maranhão, na região nordeste do país, universitários sentiram na prática a carência de instrumentos capazes de medir resultados.

Coordenados por quatro professores, 16 estudantes, sendo oito da UnB e oito da Unicamp, atuaram  no município de Aldeias Altas. A iniciativa atendeu moradores da comunidade de todas as faixas etárias, de crianças a idosos. Foram realizadas oficinas de capacitação de informática básica, prática de diversas atividades físicas, produção de vídeos e aulas de paisagismo para a recuperação de áreas degradadas. Contudo, as informações a respeito das consequências da atuação são conseguidas de forma precária pelos alunos.

Lucas Souza de Lima, estudante de Ciências Biológicas da UnB, participou das oficinas em Aldeias Altas e constatou que o programa não possui ferramentas para medir os efeitos causados nas comunidades.

“Seria mais interessante se tivesse um documento quantificando, uma estatística, que indicasse, por exemplo, se o desemprego diminuiu, se a qualidade de vida aumentou”.

Em conjunto com os moradores de Aldeias Altas, os universitários criaram um grupo no Facebook para saber quais os efeitos do projeto no cotidiano da população. Foi o único meio de obter algum retorno sobre os resultados.

Alternativas

Para dar continuidade ao projeto, a UnB se inscreveu em um edital para o Programa de Extensão Universitária (ProExt), do Ministério da Educação (MEC), na área de geração de trabalho e renda em economia solidária, para a criação de viveiros nos município de Aldeias Altas.

O ProExt oferece o financiamento de R$ 100 mil por projeto – ações sociais com objetivos específicos e com prazo curto – e de até R$ 300 mil por programa, que tem caráter de integração territorial nas regiões em que que pretende atuar e compreende o longo prazo.

Se o edital for concedido, a UnB terá o período de março de 2015 a outubro de 2016 para o desenvolvimento dos viveiros. A universidade identificou, ao longo das atividades de paisagismo realizadas em Aldeias Altas, que não existem viveiros na região e há muitas áreas degradadas. A ideia é criar um ciclo de compra e venda de mudas.

Já a Unicamp pretende articular projetos em parceria com universidades federais e estaduais do Maranhão para que atuem com maior frequência nos municípios em que o Rondon esteve presente. Além disso, a universidade criou um projeto interno de extensão universitária, que busca implantar, com recursos próprios, ações sociais de desenvolvimento sustentável em comunidades próximas de Campinas.

Mais da história

O Rondon atua com a interdisciplinaridade e foco na capacitação de agentes multiplicadores do conhecimento dentro das comunidades. Os estudantes universitários devem capacitar moradores nos municípios atendidos para que haja continuidade das oficinas realizadas. Durante a existência, o programa levou 12 mil estudantes para 800 municípios brasileiros. Hoje, no total, participaram do projeto 16.642 mil estudantesde 265 instituições de ensino superior, públicas e privadas. As operações contam com o apoio do Exército brasileiro.

Cerca de seis meses antes da operação é publicado no site do projeto quais serão os municípios atendidos. As universidades devem formar uma equipe de oito estudantes, coordenada por dois professores, e uma proposta de atuação, que deve incluir as atividades previstas e, para cada atividade, os objetivos visados, a metodologia, o público-alvo, a carga horária destinada e o retorno esperado para a comunidade.

Durante a ditadura civil-militar, a UnB, por exemplo, esteve bastante envolvida com o Rondon e criou campus próprio no município de Aragarças (GO). Os campus avançados eram centros de atuação permanente de operações regionais do Projeto Rondon. Foram realizados trabalhos de formação de professores e, principalmente, de atenção ao menor e a família, ligados a saúde e a psicologia. Em 1975, a universidade transferiu o campus para Nova Xavantina (MT).

A professora aposentada Leda Del Claro deu aula de serviço social na UnB até 1991, participou do campus avançando em Aragarças de 1966 a 1973, e da transição para Nova Xavantina, em 1975, quando tornou-se coordenadora do campus. “Tenho muita paixão pelo Campus, mas passei muita dificuldade, porque fui sozinha para lá”, lembra. Ela enfrentou diversas resistências políticas por ser mulher e diretora de um campus. “Era um lugar bem atrasado”, conta.

Leda explica que, diferentemente do Rondon atual, que organiza as atividades para as férias escolares, as operações eram irregulares e os alunos tinham que se afastar das aulas para participar. “Isso era um problema. Não havia uma sequência da participação dos alunos”, explica.

“Na época, a intenção do projeto era levar os alunos para conhecer outra realidade e levar alguma contribuição para a população”, comenta. Para Leda, os resultados do projeto foram positivos. Entretanto, pela ausência de verba, se esvaziou, até ser extinto, no início da década de 1990.