Direitos LGBT

‘Não precisamos cair na armadilha do endurecimento do Estado penal’, diz Wyllys

Ramiro Furquim/Sul21 Wyllys: “Tornar o Estado penal ainda mais duro é uma resposta? Quantas pessoas a prisão reabilita?” Porto Alegre – Referência na luta por direitos humanos em um Congresso […]

Ramiro Furquim/Sul21

Wyllys: “Tornar o Estado penal ainda mais duro é uma resposta? Quantas pessoas a prisão reabilita?”

Porto Alegre – Referência na luta por direitos humanos em um Congresso Nacional majoritariamente conservador, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) esteve em Porto Alegre na noite de ontem (8) para participar de um debate promovido em conjunto com o mandato da deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). O ato ocorreu no auditório da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Além desse evento, Jean está na cidade também para realizar o lançamento de seu livro, Tempo bom, tempo ruim, hoje (9), às 19h, na livraria Saraiva do Shopping Praia de Belas.

Durante cerca de duas horas, o parlamentar debateu com um público formado principalmente por jovens, que lotaram todos os assentos e corredores do auditório. Em seu pronunciamento, Jean defendeu que as medidas contra a discriminação por motivos de homofobia, lesbofobia e transfobia não se limitem a uma resposta pautada pelo aprisionamento dos agressores.

“Tornar o Estado penal ainda mais duro é uma resposta? Quantas pessoas a prisão reabilita?”, questionou. Ele entende que ações afirmativas, como o casamento civil igualitário, podem ser muito mais efetivas na luta contra a homofobia. “Da mesma forma que o casamento interracial teve um efeito muito positivo no combate ao racismo, o casamento igualitário vai ter um efeito na desconstrução da homofobia”, projeta.

Jean Wyllys listou quatro projetos de lei que apresentou em seu mandato e que dizem respeito aos direitos humanos e às liberdades individuais: ocasamento civil igualitário, a lei de identidade de gênero, a regulamentação da prostituição e a regulamentação da maconha. Para ele, essas quatro propostas não condizem com a defesa da criminalização da homofobia.

“Se estou em uma série de lutas libertárias, porque vou achar que quem me chama de veado escroto tem que ir preso? Não precisamos cair na armadilha do endurecimento do Estado penal, que já se voltou contra nós no Brasil e em outros países, como Uganda e Rússia. Não podemos dar uma resposta penal a um problema sistêmico”, acredita. Jean questiona, por exemplo, o que será feito quando uma pessoa que ofendeu alguém por motivação homofóbica reproduzir o mesmo comportamento na prisão. “O que vão fazer com a homofobia praticada dentro das prisões, contra a população LGBT carcerária? Prender quem já está preso? Não basta só a resposta penal”, resume.

Ele entende que o insulto homofóbico pode ser punido com penas socioeducativas junto a entidades que trabalham com direitos humanos e com a população LGBT, por exemplo. E defende que é preciso alterar o Código Penal para deixar expresso que homofobia, lesbofobia e transfobia constituem agravantes para os casos de agressões físicas e assassinatos que tenham essas motivações. “Precisamos prever, com todas as letras, homofobia, lesbofobia, transfobia, discriminação por identidade de gênero e orientação sexual entre as motivações torpes do Código Penal”, explica.

“As prostitutas desafiam à Igreja, à esquerda e à moral burguesa”

Oprojeto de lei 4211/2012, que regulamenta a atividade de mulheres e homens que prestam serviços sexuais no país gera críticas tanto de setores conservadores quanto de algumas linhas de pensamento do movimento feminista. Neste último caso, alguns grupos argumentam que a proposta institucionaliza a opressão contra as mulheres e a objetificação do corpo feminino que entendem estar manifestada na prostituição.

Em sua fala na Capital gaúcha, Jean respondeu a essas ponderações. “Alguns setores do movimento feminista consideram que prostituição é exploração. Mas elas nunca pensam nas manicures, que deixam 80% do que recebem com o salão de beleza. O ponto nevrálgico que faz com que sejam contra é o sexo. É um argumento muito parecido com o da Igreja”, contrapõe.

O deputado disse compreender que boa parte das prostitutas é composta por mulheres pobres que, em muitos casos, não optaram por ingressar na atividade. Mas entende que isso não é um motivo para que elas não possuam amparo jurídico e direitos trabalhistas. “Muitas mulheres também não escolheram ser empregadas domésticas. Não é por isso que vamos concordar em mantê-las na insegurança jurídica e sem direitos”, pondera.

Para Jean Wyllys, “as prostitutas colocam um desafio para a Igreja, a esquerda e a moral burguesa, que é a mulher decidir que é dona do seu corpo para prestar um serviço sexual”.
O parlamentar disse que os setores do feminismo que criticam o projeto negam que a construção da proposta não tenha partido dele, mas, sim, das próprias prostitutas organizadas, que recorreram ao seu mandato para construir a iniciativa. “Aí entramos em um tema muito caro para a esquerda: a representação. São as prostitutas que têm que falar por elas”, aponta.

“A guerra às drogas é uma guerra à maconha”

Aproveitando o debate gerado com a legalização da maconha no Uruguai, Jean Wyllys protocolou uma proposta no mesmo sentido no Congresso Nacional. Entretanto, oprojeto 7270/2014não delega a produção e a comercialização ao Estado. A medida abre essa oportunidade à iniciativa privada, mas estabelece previsão de controle de qualidade da substância e combate a preços abusivos.

“Meu projeto é contra a liberação e a favor da regulamentação e da legalização. A ONU diz que 80% dos usuários de drogas ilícitas no mundo é usuário de maconha. Então a guerra às drogas é uma guerra à maconha”, observa. Ele critica esse método de combate à cannabis, que gera o encarceramento em massa – em sua maioria, da juventude negra e pobre das periferias -, o investimento no aparato repressivo da polícia e não acarreta no reduzo do consumo.

“A legislação brasileira tem um conceito fluido que confunde traficantes com usuários, o que nos coloca com a quarta maior população carcerária do mundo. Essa população tem classe, etnia, cor e idade: é pobre, jovem e negra”, lamenta.

O projeto do parlamentar prevê que seja criado um conselho nacional para acompanhar e avaliar a aplicação da lei. E concede anistia aos presos condenados somente pelo crime de tráfico de maconha.

“Quando os canalhas dizem que eu quero anistiar traficantes perigosos, estão mentindo”, esclarece, salientando que o projeto não anistia traficantes condenados também por outros crimes, como assassinato ou roubo.

Projeto assegura direito à identidade de gênero

Atualmente, travestis e transexuais que desejam modificar o nome em seus documentos precisam percorrer um calvário judicial e depositar a decisão sobre suas identidades de gênero nas mãos de juízes e psiquiatras. O projeto de lei 5002/2013, de autoria do deputado Jean Wyllys, busca reverter essa situação, possibilitando que a mudança possa ser feita sem necessidade de acesso ao Judiciário. Uma lei semelhante a essa já foi aprovada na Argentina, por iniciativa da própria presidenta Cristina Kirchner.

Além disso, o projeto garante que a hormonioterapia e a cirurgia de transgenitalização sejam oferecidos de forma gratuita em toda a rede pública. Um grupo de ativistas, formado principalmente por travestis e transexuais, buscou convencer a última edição da Parada Gay de São Paulo – a maior do país – a colocar o PL 5002/2013 na pauta central de suas reivindicações neste ano. Entretanto, o movimento acabou optando por defender a criminalização da homofobia e não mencionou a demanda das travestis e transexuais em seus documentos oficiais.

“A parada de São Paulo deveria avaliar em que medida ela tem que se abrir para as demandas do grupo mais vulnerável, que é o das transexuais e travestis. Nesses 18 anos, a parada só insistiu no tema da criminalização da homofobia”, critica Jean.

Leia também

Últimas notícias