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Por demarcações, guaranis ocupam Pátio do Colégio, marco da colonização em São Paulo

Local serviu de base para catequização de índios pelos jesuítas. Etnia exige que ministro da Justiça avance na demarcação de dois territórios na capital já reconhecidos pela Funai

Cerca de 50 guaranis chegaram ao Pátio do Colégio por volta das 15h. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Dentro do Museu Anchieta, guaranis formaram um círculo e conversaram. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Uma indígena guarani se emocionou ao falar da luta pela demarcação de suas terras em São Paulo. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Com violão, rabeca, tambores e chocalhos, guaranis entoaram cantos tradicionais da etnia. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Com violão, rabeca, tambores e chocalhos, guaranis entoaram cantos tradicionais da etnia. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Índios também rezaram dentro do Museu Anchieta. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Mulheres indígenas participaram da ocupação do Museu Anchieta. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Como manda seu costume, guaranis fizeram uso de tabaco durante rezas no pátio interior do museu. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Guaranis se pintaram. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Ao ser informado pelos índios de que passariam a noite no local, o diretor do museu chamou a PM. Depois, decidiu negociar. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>Indígenas tiveram que colocar seus nomes numa lista para pernoitar no recinto. Foto: Alf Ribeiro/RBA <span></span>

São Paulo – Cerca de 50 guaranis que vivem nas aldeias da cidade de São Paulo ocuparam hoje (16) o Museu Anchieta, localizado no Pátio do Colégio, centro da capital. Os indígenas chegaram à região, que também abriga a sede da Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania, por volta de 15h, e adentraram sem demora no museu. Havia dois seguranças guardando a portaria. O grupo passou por eles tranquilamente, sem ser incomodado, como visitantes comuns.

Com calma, os guaranis cruzaram a recepção, atravessaram o restaurante sem incomodar os comensais e caminharam até o toldo que existe no pátio interior do edifício, uma das construções mais antigas da cidade. Lá, deram as mãos e formaram um círculo. Conversaram, rezaram e cantaram músicas tradicionais. Alguns choraram. Sem saber o que estava acontecendo, funcionários e vigias apenas observaram. Não houve qualquer tumulto.

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Às 16h30, horário de fechamento do museu, os guaranis anunciaram que permaneceriam no edifício até amanhã (17) à tarde, quando lançarão uma campanha pela demarcação das terras indígenas Jaraguá, na zona norte da capital, e Tenondé Porã, no extremo sul. Ambos territórios já tiveram seus estudos antropológicos aprovados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em abril de 2013 e abril de 2012. Isso significa que já venceu o prazo de 90 dias, previsto em lei, para que o relatório produzido pelo órgão indigenista recebesse contestações administrativas.

O texto está pronto para seguir tramitando. Para tanto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, precisa assinar um documento denominado Portaria Declaratória, declarando oficialmente os territórios do Jaraguá e Tenondé Porã como terras indígenas, conforme determinaram os especialistas da Funai. Daí o principal motivo do protesto de hoje (16). Após eventual apreciação favorável do ministro, caberá à Presidência da República homologar – ou não – a área tradicional.

“Nosso objetivo é ocupar o museu pacificamente para gritar que precisamos da demarcação de nossas terras na capital. O processo está na mesa do ministro José Eduardo Cardozo e ele não assina”, explica Jera Poty Miri, liderança guarani. “Nossas aldeias são antigas. Tenondé Porã tem 26 hectares. São 200 famílias e mais de mil pessoas. Precisamos de mais área para plantar nossas sementes tradicionais e viver do nosso modo, segundo nossos costumes. Nossa terra tradicional já foi reconhecida. Só precisa da caneta do ministro.”

“Fui pego de surpresa, mas vou permitir que os índios fiquem aqui”, afirmou o padre jesuíta Carlos Contieri, diretor do Museu Anchieta. Depois de um breve momento de tensão – “preferia ter sido avisado antes”, “isso é uma propriedade privada”, “quem dá ordem aqui sou eu”, “liguem para meu advogado”, “chamem a polícia” – o religioso adotou postura mais conciliatória. E até declarou-se um admirador da causa indígena. “Não temos como dar conforto para vocês. Não temos colchonetes, não estávamos preparados. Vou pedir apenas para manterem a ordem do espaço.”

Simbolismo

Em nota, os guaranis lembram que o Patio do Colégio “celebra o local de fundação da cidade e início da colonização”. Inaugurado em 1979, o Museu Anchieta abriga a memória da catequização dos índios que habitavam a região. O jardim ostenta uma estátua de bronze chamada O Evangelho na Selva, em que um padre mostra um crucifixo a uma nativa. Na época, a evangelização dos habitantes originários da cidade ficou a cargo dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta – quem dá nome à edificação, originalmente construída em 1554.

Esta é a terceira ação simbólica que os guaranis de São Paulo realizam na capital em pouco mais de seis meses. Em setembro, fecharam a Rodovia dos Bandeirantes, que, além de ser batizada em homenagem aos “assassinos de índios”, passa em território considerado ancestral pela etnia. Em outubro, marcharam da Avenida Paulista até o Monumento às Bandeiras, esculpido pelo escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret. Além de pedir a demarcação de terras, os protestos anteriores exigiam ainda o arquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. O projeto pretende transferir ao Congresso a palavra final sobre definição de territórios tradicionais.

“Se o ministro não ouvir nosso grito e assinar a portaria, vamos continuar lutando. Desde o contato com o mundo dos brancos, sempre estivemos em luta: uma luta pacífica, uma luta às vezes estratégica, nos afastando, deixando nosso canto, mas sempre lutamos. E não é agora que vamos parar de lutar”, explica Jera. “Quando paralisamos a Rodovia dos Bandeirantes, algo inédito na nossa história, Cardozo disse que se pronunciaria sobre a demarcação. Mas até agora não deu nenhum parecer, nem entrou em contato conosco.”

Um manifesto distribuído pelos guaranis durante a ocupação afirma: “O Pátio do Colégio é o local onde vocês brancos se fixaram pela primeira vez e começaram a tomar posse das terras que eram do nosso povo”. O documento continua: “Nossas terras não são mais no centro, pois esse lugar já foi tomado por vocês há muito tempo, e não vamos nunca pedir de volta. Elas estão na margem da metrópole, onde vocês ainda não destruíram, onde sobra ainda um pouco das matas onde sempre vivemos.”

O protesto ocorre às vésperas do Dia do Índio, comemorado no próximo sábado (19). Os guaranis resolveram protestar na véspera da efeméride porque se dizem “cansados de ser enganados” pelas autoridades a cada ano durante a data. “Em todo lugar onde vivem nossos parentes, os governos promovem festas no 19 de abril e tentam fazer a gente comemorar, quando não há motivo pra isso”, dizem. “Até bebida vários governos compram pros nossos parentes, pra fazê-los esquecer.”

São Paulo

A Terra Indígena do Jaraguá é formada pelas aldeias Pyau e Ytu. Nelas, residem cerca de 600 guarani. Reconhecida na década de 1980, a reserva do Jaraguá possui uma área de apenas 1,7 hectare – o que faz dela a menor terra indígena do país. As outras duas aldeias da cidade estão na Terra Indígena Tenondé Porã, às margens da represa Billings: se denominam Barragem e Krukutu, e também foram reconhecidas nos anos 1980. Possuem superfície de, aproximadamente, 26 hectares cada uma, onde se distribui uma população de 1.200 pessoas.

Além do protesto no Pátio do Colégio, há uma petição online para angariar apoio à demarcação das terras indígenas em São Paulo. Há ainda um vídeo em que os guaranis se comprometem a enviar ao ministro José Eduardo Cardozo uma caneta para cada adesão ao abaixo-assinado, que já tem mais de 2.300 assinaturas.

Os indígenas também produziram um vídeo-manifesto em que explicam os motivos que os levaram a ocupar o Museu Anchieta hoje (16). A campanha pela demarcação das terras guarani em São Paulo terá continuidade no dia 24 de abril com uma manifestação na Avenida Paulista. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento Passe Livre (MPL) apoiam a iniciativa.

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