50 anos do golpe

Listas do Dops revelam elo entre empresas e a ditadura no ABC paulista

Trabalhadores da região estão entre os que figuram em documento que aponta empresa, cargo e endereço de metalúrgicos

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Lulinha, trabalhador listado pelo Dops: “Fica evidente a participação das empresas”

São Bernardo do Campo (SP)  – Dossiê sindical produzido pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no início da década de 1980, com a relação de dados funcionais de 460 metalúrgicos que atuavam em 60 empresas localizadas no ABC paulista, indica a colaboração direta de empresários com a ditadura (1964-1985). Nos documentos, os trabalhadores eram fichados pelo Setor de Análise, Operações e Informações do Dops. A repressão detinha em seus arquivos o nome completo dos metalúrgicos, endereço residencial, a empresa empregadora e o setor de trabalho. As pessoas que figuravam nestas listas eram ativistas e dirigentes sindicais, e organizaram o movimento grevista nas fábricas da região. Uma vez listados, eram demitidos das empresas, sofriam perseguições e prisões.

Pesquisas realizadas sobre as listas pela Comissão Nacional da Verdade buscam comprovar a relação já conhecida de empresas com a repressão. O objetivo é responsabilizar o Estado e cobrar reparação de setores privados que colaboraram e financiaram o regime militar.

“Ainda não sabemos em que circunstância essas listas foram produzidas. Mas dadas as características das informações funcionais, as listas podem ser provas contundentes da colaboração empresarial com a repressão aos trabalhadores”, diz a cientista política San Romanelli Assumpção, que assessora a CNV.

Fichados

O ABCD Maior encontrou as listas dentro de um dossiê do Dops, hoje disponível para consulta no Arquivo Público de São Paulo. A reportagem ouviu vítimas do monitoramento sistemático da ditadura sobre a classe trabalhadora.

O sociólogo e metalúrgico aposentado Augusto Portugal está entre os fichados. Portugal enfatiza que o desemprego foi a pior consequência. “Quem figurava na lista não arrumava mais trabalho em lugar nenhum. Muitos trabalhadores, como eu, não conseguiram mais voltar ao mercado de trabalho. O pior é que esse padrão de repressão ainda é uma prática sistemática.”

Portugal cita que, além do caso do ABC paulista, outras pesquisas apontam a existência das listas em órgãos estatais, como a Petrobras. Houve perseguições contra trabalhadores do setor petroleiro que atuavam na Refinaria de Capuava, em Mauá, ocupada pelos militares.

Relação direta

O ex-dirigente sindical e sociólogo Luiz Soares da Cruz, o Lulinha, também foi alvo da repressão. Escapou por pouco da prisão, mas não evitou o desemprego. “Em 1996 eu fiz uma busca nos arquivos do Dops e encontrei por acaso essas listas. Fica evidente a relação direta das empresas com a repressão, porque nas listas há informações funcionais escritas a mão”, observa. Lulinha e Portugal compõem o grupo de pesquisadores da Associação dos Metalúrgicos Aposentados Anistiados, que pretende elaborar um relatório sobre esse tipo de atuação civil em conluio com os militares.

Listas negras do ABC

O Grupo de Trabalho Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical, da CNV, apresentará relatório conclusivo das pesquisas em dezembro. A ideia é expor os padrões de repressão praticados pela ditadura contra sindicatos, dirigentes sindicais e trabalhadores. Além de resgatar a memória política, a pesquisa deve indicar eventuais reparações morais e materiais. As chamadas “listas negras” do ABC são um dos principais focos do trabalho, e podem servir de modelo para estudos realizados pela Comissão da Verdade em outros estados.

A assessora da CNV San Romanelli Assumpção acredita que o relatório poderá responsabilizar o estado e o setor empresarial a partir das práticas comprovadas de repressão, que resultaram em desempregos, cassação de direitos civis e políticos.

“Dependendo da interpretação que se tem de violação de direitos humanos, o fato de um trabalhador ficar desempregado implica restrições de subsistência. Isso pode configurar violação de direitos humanos, porque acaba com o sustento de uma família e mexe direto com a condição de subsistência humana”, avalia San.