Ditadura

Vannuchi: abertura de centros das Forças Armadas para Comissão da Verdade foi ‘drible’

Analista político ressalta peça de direito administrativo que encontrou caminho para investigação de responsabilidades criminais de torturadores como um acerto para escapar de resistências

Antônio Cruz/ABr

Documento de Dallari trata da destinação dada a pelo menos sete localidades da prática de tortura

São Paulo – Com a comunicação do ministro da Defesa, Celso Amorim, na última terça-feira (1º), à Comissão Nacional da Verdade, de que as Forças Armadas aceitaram abrir sindicância para apurar mortes e torturas nas dependências militares no tempo da ditadura (1964-1985), o analista político Paulo Vanucchi, em comentário feito hoje (3), na Rádio Brasil Atual, avalia que a peça de direito administrativo elaborada pelo jurista Pedro Dallari deu um “drible da vaca” no Supremo Tribunal Federal (STF), que mantinha a posição de impedir a investigação de responsabilidades criminais dos torturadores durante o regime de exceção.

“A peça lembra que o direito administrativo foge totalmente da decisão do Supremo de impedir a investigação de responsabilidades criminais dos torturadores. Quando se fala em direito administrativo, dá o drible da vaca no Supremo e em qualquer alegação das Forças Armadas”, explica Vanucchi.

Segundo o analista político, a peça está fundamentada no fato de os danos ao erário serem, com base na Constituição, imprescritíveis, ou seja, nunca se encerram. “No sentido da obrigação de ressarcimento do Estado pelo dano causado, há milhões de reais que estão sendo gastos para pagar as indenizações de danos que não foi o Estado que cometeu, foram agentes do estado. Esses agentes violaram as próprias leis da ditadura”, diz.

Vanucchi destaca que o trabalho teve momento essencial: uma visita ao Ministério da Defesa. Dallari visitou o ministro Celso Amorim, que recebeu a Comissão Nacional da Verdade e os comandantes das três armas. Na ocasião, apresentou o documento centrado em direito administrativo. “A peça não tem uma palavra sobre tortura, torturador, punição. É um documento dizendo que houve desvirtuamento do fim público de prédios das Forças Armadas para práticas que eram ilegais mesmo à luz daquele regime de exceção. Dizia que houve a afetação de bens públicos para desvio de finalidade”, comenta.

O documento trata da destinação dada a pelo menos sete localidades centrais da prática de tortura, e questiona como era feita a prestação de contas do que se passava nelas, os gastos e quais eram os funcionários públicos envolvidos. As dependências são o DOI-Codi de São Paulo, na rua Tutoia, o DOI-Codi do Rio de Janeiro, na rua Barão de Mesquita, a base naval da Ilha das Flores, a base aérea do Galeão, a 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar, também no Rio, o DOI-Codi do Recife e o quartel do 12º Regimento de Infantaria do Exército em Belo Horizonte.

“A excelente notícia é que o ministro Celso Amorim telefonou ao Pedro Dallari dizendo que Marinha, Aeronáutica e Exército vão acatar o pedido, criar as sindicâncias, que duram, no máximo, um ou dois meses. O resultado pode ser incorporado, seja como for. Claro que se o resultado da sindicância for extremamente fajuto, vai ter no relatório um parágrafo: ‘lamentamos que a sindicância tenha sido feita para inglês ver e não tenha sido feita nenhuma investigação de fato’. A investigação terá que mostrar pelo menos a relação de nomes nas unidades selecionadas. Houve dezenas de outras unidades, mas as seis selecionadas são as que mais se evidenciaram nos depoimentos, documentos e denúncias”, conclui Vanucchi.

Nas décadas de 1980 e 1990, sindicâncias e investigações internas abertas pelas Forças Armadas para investigar crimes da ditadura resultaram em relatórios incompletos, que não apontavam autoria das mortes e torturas nem as condições em que guerrilheiros foram executados.

Ouça a entrevista completa na Rádio Brasil Atual.

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