reta final

Comissão da Verdade pretende ouvir todos os torturadores antes de entregar relatório

Cerca de 50 agentes devem ser ouvidos até o encerramento dos trabalhos. Comissionados querem interromper audiências em junho para se concentrarem na elaboração do documento final

Divulgação CNV

CNV tentará interpelar 50 torturadores enquanto realiza audiências públicas e produz relatório

São Paulo – Já perto de concluir o mandato, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) decidiu ontem (7), após reunião em São Paulo, tomar depoimento de todos os agentes do Estado acusados de tortura durante o regime de exceção vivido pelo país entre 1964 e 1985. “Faremos um grande esforço para que todos sejam ouvidos”, anunciou o jurista Pedro Dallari, coordenador da CNV. “Listamos cerca de 50 agentes que serão ouvidos até o final dos trabalhos da comissão.”

Instalada em maio de 2012, a CNV deveria entregar o relatório final no mês que vem, cumprindo o prazo de dois anos estipulado por lei. No entanto, devido ao acúmulo de tarefas, os comissionados esperam que o Congresso aprove uma prorrogação de sete meses. A presidenta Dilma Rousseff concorda com a extensão do mandato. “Estamos contando que o prazo irá até 16 de dezembro. E planejamos apresentar o relatório final em 10 de dezembro, dia internacional dos direitos humanos.”

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Não será fácil cumprir a agenda autoimposta de oitivas, uma vez que, a partir de junho, os comissionados pretendem se concentrar na produção do relatório final. “Nesse momento, vamos encerrar a fase de grandes audiências públicas para nos dedicarmos mais fortemente à elaboração do relatório, que envolve enorme responsabilidade”, anotou Dallari. “Será uma tarefa hercúlea elaborar um relatório à altura das expectativas da sociedade brasileira.”

Por isso, a ideia da CNV é sincronizar os depoimentos de torturadores com as audiências públicas que já estão marcadas – três, até agora, para tratar do atentado do Riocentro, em 29 de abril, e da Guerrilha do Araguaia, em 20 e 27 de maio. Haverá ainda uma audiência com povos indígenas em Dourados (MS) no final do mês. “Temos mantido contato com a Polícia Federal, porque há casos de não comparecimento, e a lei nos faculta o poder da chamada condução coercitiva”, explicou Dallari. “A CNV tem o dever de usar as prerrogativas legais para que o máximo de depoimentos possível sejam colhidos.”

A fórmula que deverá ser adotada daqui por diante foi colocada em prática ontem (7) em São Paulo, quando a CNV organizou uma audiência pública sobre centros clandestinos na mesma hora e local em que o delegado Dirceu Gravina, acusado de sequestros, torturas e assassinatos nos anos 1970, prestava depoimento. As evasivas do ex-agente do DOI-Codi, que respondeu às questões da CNV numa sala reservada, sem acompanhamento da mídia, provocou uma discussão entre vítimas e comissionados sobre a melhor maneira de realizar as oitivas.

“Gravina pediu para ser ouvido em sessão sigilosa. Temos respeitado essa opção. Muito embora ele possa não ter ética, nós temos. Portanto, temos que atuar de acordo com o Direito”, esclareceu o advogado José Carlos Dias, membro da CNV que tomou depoimento do delegado. “Eu gostaria muito de ter tido a presença de pessoas que foram vítimas dele, mas resistimos a essa tentação. É uma opção lamentável, mas temos que assumir essa posição de absoluto respeito ao cumprimento da lei.”

O debate se instaurou logo depois que Dias relatou como havia sido a conversa com Gravina. Ao informar que o delegado negara qualquer participação em torturas, assassinatos ou outras violações aos direitos humanos, uma ex-presa política que afirma ter sido brutalizada por ele tomou o microfone para desmenti-lo. “Ele chegava na sala e dizia assim: sou Deus, sou Jesus Cristo, tenho poder de vida ou morte sobre você”, testemunhou Darcy Miaghi, fazendo referência ao codinome utilizado por Gravina no DOI-Codi: JC ou Jesus Cristo.

“É sempre muito melhor ouvir o depoimento do agente depois de ouvir as vítimas e fazê-lo ouvir as vítimas também. Isso é mais interessante. As marcas da tortura que realizou poderiam constrangê-lo e desequilibrá-lo”, ponderou a advogada Rosa Cardoso, membro da CNV que também ouviu Gravina. “Quando escolhemos falar reservadamente é sempre na expectativa que o depoente nos dê uma pista, que nos conte alguma coisa que não contaria em público. E a gente está sempre buscando pistas de desaparecimentos, de circunstâncias de alguma morte.”

Além das oitivas com agentes do Estado, a comissão deve continuar com a divulgação de relatórios preliminares de pesquisa. Ontem (7) tornou público o quarto documento parcial, dedicado aos centros clandestinos mantidos pelo regime. Outros três estudos já foram publicizados, tratando da Casa da Morte de Petrópolis (RJ) da morte do deputado Rubens Paiva e sobre torturas em instalações militares – o que acabou motivando as Forças Armadas a instalarem uma sindicância interna para apurar violações de direitos humanos em seus quartéis.

“Os relatórios preliminares de pesquisa, de certa maneira, representam uma satisfação à sociedade do trabalho que vem sendo realizado. Além disso, a divulgação dos relatórios permite, com a publicidade, que haja possibilidade de complementação das informações e mesmo de retificação daquilo que eventualmente não esteja preciso”, definiu Pedro Dallari. “É uma maneira de contar com a própria colaboração da sociedade.” Em busca dessa colaboração, a CNV organizará, em maio, um grande encontro com as 70 comissões da verdade instaladas no país.

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